Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


O PRESENTE DE ANIVERSÁRIO DE DONA PAREDE

Esta não é uma história de gente, vamos tratar aqui de uma parede. Não de qualquer uma, pois que se trata de uma bem bonita. Uma parede pra lá de especial. Por falta de jeito de comparação, fica complicado para lhes explicar o tanto que ela é alta. Digo-lhes que é tão elevada que só falta um pedacinho, coisinha de nada, para ela tocar as estrelas.

Disse da altura, mas reparo que a dificuldade de lhes apresentar a noção de tamanho é ainda maior. Vou arriscar: Sabem quando a gente olha para um lado, tentando enxergar até além do final, e os olhos ficam com vontade de permanecer fechados da força que fazem? Aquele jeito em que, de tão longe, as coisas parecem ter virado fumaça? Com a nossa parede é assim. Olha-se para uma banda e não se vislumbra o fim. Vira-se para o outro e não é que acontece a mesma coisa?

A cor dela é azul forte e é assim que ela se confunde com o céu. Não em dias comuns, mas naqueles mais belos, nos quais ele deixou guardados, do lado de lá da montanha, os flocos, parecendo algodão doce, de nuvens. Como todas as suas irmãs, também essa não possui nome diferente e completo, tal qual temos. A maneira pela qual seus vizinhos a chamam  é só Dona Parede. Bem assim desse jeito mesmo.

Nossa amiga, é bom que se diga, não é jovem. Ela está comemorando duzentos anos e aliás, meu Deus, vejo isto agora, foi por conta de algo acontecido no seu aniversário, que resolvi lhes contar a história e o assunto não seguiu em frente. Melhor retornar ao fio da meada e lhes dizer que ela é muito importante. Até a chamam de heroína o que, diga-se de passagem, ela não aprecia, considerando que não fez nada mais do que a obrigação.

Xi, estou achando que continuo a fazer confusões nesse meu contar. Sem querer, deixo todo mundo curioso para saber: Afinal, o que é que a parede realizou de tão bacana assim? Que ato tinha sido este que achavam haver sido extraordinário? Então, pedindo desculpas por não ter contado de uma forma mais reta - Tivesse feito isto ela, história das pequenas, devia ter se encerrado lá atrás - retorno à estrada das palavras certeiras, seguindo daqui por diante do jeito que a deveria ter narrado desde o começo.

É que houve, num passado pra lá de remoto, a maior das inundações naquela região. Para vocês terem ideia de quando isto se deu, lhes segredo que os mais velhos tinham sabido disto pelos seus avós e estes escutaram tal fato através dos pais dos seus pais. O rio se encheu rapidamente, não respeitando mais as margens e nem nada. O que ele se mostrava era furioso com tudo e com todos. Esforçava-se para invadir a cidade e toda a região. Parecia que o seu maior desejo é que o país inteiro estivesse debaixo das suas águas agitadas.

E foi aí que a parede cumpriu com o seu destino, impedindo que o rio submergisse tudo. Dito desse jeito (e agora fico pensando se história muito retinha não acaba sendo meio chata...) fica parecendo que foi tudo muito fácil e simples. Nada disto. Ela, mesmo tendo sido construída com poderosas pedras, esteve a ponto de desabar por causa da força tremenda das águas. Mas dona Parede resistiu bravamente protegendo as gentes de lá. Chegou mesmo a, por três vezes, balançar. Ficou torta e foi com grande esforço que retornou à posição natural, depois que o rio, acalmado, retornou ao seu leito original.

O país em festa com esta celebração e Dona Parede, ao contrário de todo mundo, não aproveitando quase nada. O que está sentindo é bastante raiva. Ao abrir um dos tantos presentes deixados aos seus pés, ela se deu conta de que fora presenteada com um pacote de pregos. Sim, vocês entenderam corretamente, é isto mesmo: Deram para ela aquilo que uma parede mais odeia e tem medo.


 
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 03/07/2017
Alterado em 17/05/2021


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