A liberdade e as nossas gaiolas
Vivi a experiência de soltar um passarinho que há tempos estava na gaiola. Chamou-me a atenção e fez-me refletir o fato de que, mesmo tendo a porta aberta, ele teimava em não sair de dentro da prisão. Surpreso, pois esperava vê-lo fugir dali de imediato, fui ficando ansioso e balançando a gaiola o espantei para fora. Expulso, o pássaro teve que voar e o perdi de vista. Qual não foi o meu espanto ao reparar, depois de algum tempo, que ele havia voltado. O passarinho em cima da gaiola vazia e fechada saltitava tentando achar um jeito de entrar novamente na sua cadeia.
A liberdade é algo que costuma assustar. Clamamos e lutamos por ela e quando a conquistamos, não poucas vezes, ficamos sem saber o que fazer com o espaço conquistado e, como aquele passarinho, optamos por retornar para o espaço pequeno onde nos acostumaram a ficar e até chegamos a pensar que é um grande lugar. Quando retornamos às nossas casas e lugares da infância, costumamos nos surpreender ao vê-los menores que na nossa imaginação eles pareciam ser.
Vivemos num paradoxo. Uma imensidão de coisas à disposição e acabamos por ficar com o pouco. Acostumamo-nos a alguns trajetos, trejeitos e objetos e é com eles que convivemos diariamente. Sair deles é andar rumo ao desconhecido, em direção à casa onde mora a liberdade e isto nos amedronta e assusta.
Criados livres por Deus perdemos a liberdade pelo pecado, mas esta não é a situação final. Jesus nos faz livres de novo. Ele abre as portas de todas as gaiolas, mas, medrosos e querendo seguranças, preferimos tantas vezes ficar quietos sem sair de casa, como o irmão mais velho na parábola do Pai Misericordioso (Lc 15, 11-32). Fechados, vivemos em falsas consolações, os olhos cegos, o corpo anestesiado. Incapazes de perceber as amarras e, tristemente, até nos achamos felizes saciados com as sobras dos porcos.
Damo-nos conta então que sermos livres nos leva a correr riscos, leva ao grande e inexplorado. Recuamos, achando ser mais seguro permanecer presos ao conhecido, ao dominado, àquilo que nos dá a certeza de não nos levar a mares desconhecidos e às águas profundas. Trocando a liberdade pela segurança, acabamos nos mantendo pequenos e fechados.
Encanta-me ver pessoas livres. Vejam como elas são leves. Não se estabelecem, são peregrinas. Na vida carregam pouca bagagem. Têm clareza do caminho pelo qual querem prosseguir, da mesma forma que conhecem bem as estradas pelas quais já passaram. Não viajaram dormindo, mas de olhos bem abertos. É gente que não tem medo de sair da mesmice da vida e está sempre à procura de mais. Seus horizontes são largos e abertos.
Todo dia me é feita pela vida a seguinte pergunta: o que mesmo você quer: a liberdade ou a felicidade? Responder a esta pergunta requer cuidado e atenção. Necessita discernimento, o que muitas vezes esqueço de fazer e jogo na loteria. Fazer a escolha errada é fácil. Ao invés da liberdade que me levará à felicidade, fico com a felicidade que me prende ao mundo.
A felicidade sem a liberdade é a prisão do passarinho com comida, bebida, sol na dose certa e bacia para tomar banho, mas que tem grades impedindo-me de voar pelos ares convidativos que Deus me dá. Notemos que esta é a pergunta que nos fazem os regimes autoritários. Prometendo a felicidade eles acabam tomando de todos a liberdade.
E a liberdade, que nunca nos esqueçamos disto, é dom de Deus. É presente grande demais que Ele nos dá. Bobos que somos, abrimos tantas vezes mão desse presente maravilhoso quando ficamos presos às regras, aos ritos e às rotinas, ao invés de nos preocuparmos com a liberdade do Amor que nos leva para caminhos insuspeitados, surpreendentes e tão belos.
Tentemos prender o Amor em nossas mãos ou nas nossas gaiolas. Impossível, pois Ele sempre sairá por entre os dedos ou pelas frestas dela. O Amor é livre e é por isto que costuma nos assustar. Na sua liberdade o Amor, que é Deus, sopra onde quer. A liberdade pressupõe sentir com alegria este sopro de Amor no rosto. O hálito de Deus que nos impele para frente, para o alto, rumo ao bem maior para o qual fomos todos criados.
Conversava tempos atrás com um amigo que tinha terminado de fazer os Exercícios Espirituais. Ele contava que voltando dos Retiros, como ocorria naqueles dias, devia tomar cuidados porque vinha carregando no coração muita liberdade, podendo com ela chocar pessoas fora daquela sintonia tão livre em que estava.
Inácio nos deixou uma linda e imensa escola de liberdade e precisamos fazer, sempre mais, uso dela. Mesmo sabendo que ser livres é também arriscar-se. Trazer os Exercícios para a vida é correr em direção ao Magis, não nos contentando com as gaiolas, mas quebrando-as, para irmos em busca da vontade de Deus para as nossas vidas. A vontade de Deus para nós é que sejamos livres, eis que é na liberdade que abraçaremos o Amor. Será Ele que nos transfigurará enfim oferecendo-nos a felicidade do serviço e da justiça aos irmãos.
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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 28/05/2010
Alterado em 08/12/2011