Liturgia da Missa - Reflexão sobre a Palavra - 27-06-2010 - O convite para subir com Jesus à minha Jerusalém
A passagem de Jesus no caminho da vida de cada ser humano é sempre uma experiência fundamental. A partir dela, que se faz o centro, todas as outras vivências se recompõem. Vemos isto no Evangelho de hoje. Jesus encontra três pessoas no caminho para Jerusalém. Dois se dispõem já para o seguimento e o outro, antes que tomasse alguma atitude de falar com Ele, é logo convidado por Jesus para segui-lo.
Na primeira leitura (1Rs 19,16b.19-21) vemos Elias escolhendo o seu sucessor. Para isto ele passa e faz o convite lançando sobre o escolhido, Eliseu, o seu manto. É um chamado que também exige um sim radical e é assim que o novo profeta responde. Só pede para ir se despedir da família e já volta sacrificando seus bois, o que significa que não tem mais a função que até àquela hora era dele. Jesus quer ainda mais. A resposta que pede se torna mais profunda que no Primeiro Testamento.
Vejamos que seria fundamentalista acharmos que Jesus não quer que nos despeçamos dos nossos entes queridos. Fosse assim não teria ido até o seu amigo Lázaro. O que Ele quer é o mesmo que Elias. É a mirada para a frente, pois é de lá que o Espírito está nos acenando. Permanecer olhando parta trás, ao mesmo tempo em que se dirige o arado, significa que o sulco se tornará torto, como também a vida.
O discipulado é radical. Ele não é algo prosaico como o seguimento de um desfile por se estar disponível e não haver nada melhor para se fazer no momento. Jesus vem nos mostrar, através das palavras de Lucas (Lc. 9, 51-62), três significados do seguimento aos quais o discípulo precisa estar atento: O primeiro é que segui-lo não tem a propriedade, nem irá fazer a mágica, de nos livrar dos perigos do mundo. O segundo sentido nos traz a dimensão da vida eterna. Para que ficar enterrando os mortos se o sentido final da vida não se coloca na sepultura, mas na ressurreição? O último ponto diz respeito aos adiamentos, a nunca colocar os meios efetivos para responder a Jesus. Deus está adiante, O Espírito se move, não é estático e nem fica preso ao passado.
Curioso repararmos também que se trata do chamamento de três pessoas sem nome. Ao chamar anônimos Lucas convida a cada um para uma reflexão concreta na vida. Eles não são nominados para que eu possa aí colocar o meu nome na situação mostrada. Esses três chamados tornam-se conseqüentemente os meus chamados para o discipulado. E aqui vale nos perguntarmos como esses chamamentos repercutem em nós.
Em algum desses chamados eu me identifico? Qual é a resposta de seguidor, de discípulo missionário, que dou a Jesus, quando Ele passa por mim? Dou-me conta de que segui-lo gera decisões e conseqüências concretas na minha vida? Como se dá em mim a consideração da dimensão de eternidade da existência? Estou preso ao já acontecido, ou vejo que Deus está sempre me convidando para seguir adiante?
O que aconteceu com esses três convidados? O Evangelho não nos conta, mas de uma coisa podemos ter certeza. As palavras que Jesus lhes dirigiu transformaram suas vidas. A forma dessa transformação, para aonde ela os levou e para que não sabemos. O fato é que se não o seguiram, permanecendo presos às suas correntes, não cumpriram a missão para a qual foram criados. Contemplando este texto gosto de imaginar que eles responderam no seu estado de vida, como nós leigos, a este chamado do Senhor. E pensar assim me é consolador.
Jesus toma a firme decisão de subir para Jerusalém. Ele sabe que é lá que está o seu objetivo. Nós todos também, como discípulos missionários, somos convidados por aquele a quem seguimos a imitá-lo, subindo também para a nossa “Jerusalém” com todas as conseqüências que esta subida pode ter. Onde está e qual é esta situação de Jerusalém na minha existência, caberá a cada um discernir, para poder se colocar no caminho.
Haverá gente que não quererá subir e, mais ainda, que não ajudará aos que se põem na subida. Devemos respeitá-los nessa sua decisão para não cairmos na tentação da resposta vingativa de Tiago e João, os “filhos do trovão”, a Jesus. O cristianismo não prega a violência. Ela não resolve e Jesus ensina aqui aos seus amigos e a nós que ela precisa ser evitada. A violência que nesse caso é explícita e muito contundente, pode se dar também de maneiras delicadas e sutis e não é porque se dão assim que deixarão de ser agressivas.
Em Jesus é completada a revelação de Deus iniciada no Primeiro Testamento. Ao compararmos a reação de Elias, que quer usar o fogo como arma para destruir quem o rejeita (2Rs 1, 10-12), com a de Jesus que repele qualquer violência contra os samaritanos que não os querem receber, temos um bom exemplo da revelação progressiva de Deus. À violência não se responde com mais violência, mas com o mandamento novo do amor.
O Pe. Antony de Mello nos conta a parábola da águia criada no galinheiro e que amarrada para não voar, termina por se acostumar à vida no chão. E no chão ela não é livre, não podendo cumprir o seu destino. A liberdade é viver no amor. Nós, que somos criados para o alto, tantas vezes nos vemos amarrados e presos à terra, em cercadinhos com as portas trancadas que não nos conduzirão a lugar algum. Acomodar-se à prisão da rotina do menos é o mais fácil e não gerará compromissos, mas criará uma vida mesquinha que não é aquela em plenitude para a qual estou sendo criado.
Investiguemos se não é por conta desse descompromisso que nos acomodamos ao que é pequeno e passageiro. Às nossas cadeias, que podem ser bonitas e confortáveis, do pouco, do limitado e do menos. Escrevendo aos Gálatas na segunda leitura (Gl. 5,1.13-18), São Paulo nos fala dessa criação para a liberdade. Ser livre é ser águia e sair voando bem alto como pede o destino de cada um de nós, filhos queridos de Deus. Ser livre é não deixar que aquilo que me amarra e prende ao chão impeça que eu suba, com Jesus, para a minha “Jerusalém”.
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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 22/06/2010
Alterado em 15/10/2010