Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


Existe gente que só acredita no que vê. São incapazes de enxergar algo que ultrapasse o seu olhar. Esta é, exata, a história de uma delas. 
   

Fosse só assim ainda estaria bom, mas a coisa era ainda bem pior. Mesmo o que via acabava filtrado por um tanto de preconceitos. Afirmações absurdas que ele fazia questão de criar dentro da cabeça.

“Ah, isto acontece porque ele é de tal lugar... Ah, fez isto porque é de tal raça... Ah, também com a família que tem...”  Como só enxergava a casca, não conseguia contatar a beleza que existe quando vamos além da aparência das pessoas. Todo mundo tinha pelo menos um senão diante dele.

Era um pobre homem para quem o coração das pessoas tornara-se território impenetrável. Sabemos que se não exercitarmos nossos sentidos eles acabam se atrofiando e foi isto que aconteceu com o nosso amigo.

Um dia ele começou a notar que até aquelas pessoas que se  postavam diante do seu olhar  não eram mais bem percebidas.  Arrumou uma ou duas desculpas. “Isso é porque não lavei os olhos essa manhã”, ou “é que o dia amanheceu meio nublado”.

Não era nada disso. O caso era de crescente cegueira mesmo.
 
Não essa que vemos de alguém que anda batendo no chão à sua frente uma bengala. Essa era bem pior. Sua doença era profunda pois que ele estava cego mesmo  era por dentro. Quanto menos enxergava mais se tornava sem sentimentos. 
 

Como era de se esperar chegou aquele dia no qual ele acordou, abriu os olhos e estava tudo escuro. Esfregou as costas das mãos neles, podendo ser o caso de que algo os tampava, mas nada. Descobriu-se totalmente cego.

Se do interior das pessoas nunca via nada, agora nem mesmo a  aparência delas era capaz de reparar.  Seus olhos haviam criado uma crosta.  Levantou-se da cama tropeçando na mobília. Gritou desesperado por socorro. 
  

Mesmo sendo frio, alguém que nunca se preocupara com os outros, vieram acudi-lo. Normalmente as pessoas são boas e aquelas que o rodeavam eram assim. Tiveram compaixão e permaneceram ao seu lado auxiliando-o no duro aprendizado de se viver no escuro.

Aí começou a ocorrer algo interessante. É que mesmo sem ver, ele percebia que as pessoas iam muito além das mãos e dos ombros que o acompanhavam naquela hora. Dentro da escuridão reparava haver uma linda luz.

Por várias semanas ele chorou muito. Não um lamento de culpa, mas de alegria pelo milagre de ver, com o coração, o amor daquela gente que o auxiliava.

As lágrimas carregam dentro delas o poder de nos curar e as suas, tão abundantes, tiveram a capacidade de amolecer a casca dos olhos. Pouco a pouco ela escorria pelo rosto e novo milagre nele acontecia. As lágrimas lavaram seus olhos e aquela casca desaparecera.

Libertos da dura crosta aqueles olhos já podiam ver o que temos no mais profundo do nosso íntimo: o Amor. A crise da cegueira vivida por aquele homem propiciou-lhe novos olhos. Uns mais potentes, pois que ultrapassam de muito o que se consegue ver normalmente.

E foi dessa maneira que ele descobriu que o olhar precisa ir muito além do que normalmente se vê. Quando  consegue atravessar as aparências ,o mundo se torna ainda mais bonito e gostoso de se viver.

www.genteplena.com.br

Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 09/03/2011
Alterado em 10/03/2011


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras