Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


Liturgia da Missa - Reflexão sobre a Mesa da Palavra – Ano A – Segundo Domingo da Quaresma – Jesus nos chama à montanha

Um grupo de jovens combinou subir à montanha. Bem cedo no domingo saíram animados começando a escalada. Nem se passara uma hora de subida e dentre eles já havia alguns desejosos de voltar. “Para que subir mais se daqui se descortina uma bela vista?” E dali mesmo deram meia volta. Passou mais um tempo de caminhada forte e íngreme. Já se sentiam todos cansados, quando chegaram num platô, de onde se avistava o próximo cume, para descansar. Uns deles então disseram. “Para que ir mais além? Fizemos um grande esforço. É mais sensato voltarmos daqui mesmo. Estamos cansados e suados. Vamos para casa”. E dali aqueles também retornaram. Só um pequeno grupo alcançou o cume. A experiência desses foi maravilhosa. Naquele silêncio imenso escutavam o murmúrio do vento e puderam refletir sobre o que Deus queria da vida de cada um deles. Seus rostos brilhavam, não por causa do suor que lhes escorria, mas sim porque estavam profundamente felizes e realizados. A satisfação era tanta e no topo estava tão bom que chegaram a pensar em morar por lá, mas um olhar sobre a planície fez com que vissem que era lá embaixo que Deus os queria.

Na primeira leitura a Palavra nos apresenta Abrão se colocando em atitude de escuta diante de Deus. Dessa maneira ele pode ouvir sua vocação e, entregue totalmente no colo de Deus, ganha um ‘a’ no seu nome a mostrar ter sido "transfigurado", torna-se novo homem. Então, deixa a sua terra e vai para o lugar que o Senhor lhe indica.

O Evangelho também nos fala do quão importante para nós é a escuta de Jesus. Reparemos que se trata da voz do próprio Pai que vem nos dizer: “Escutai-o”. Quem sabe não há aqui um sutil recado pra muitos de nós. É que nas nossas relações com Deus costumamos falar tanto que se torna pouco, ou mesmo nenhum, aquele tempo possível para que Ele também possa nos dizer o que tem para nós.

Também somos convidados, tanto quanto Abraão na primeira leitura quanto Pedro, Tiago e João no Evangelho de Mateus, a nos colocarmos em movimento. Sairmos do nosso lugar. O Patriarca sai de Ur na Caldéia. Os apóstolos saem da planície e sobem com Jesus à montanha, lugar da transcendência e da teofania.

Deixar a terra no sentido de Abraão, ou subir a montanha no sentido dos discípulos, quer dizer sair da zona de conforto, largar o comodismo e partir para a vida. Não consentir que a rotina nos deixe fixos com raízes profundas e teias de aranha, a mostrar nosso imobilismo.

As duas formas, sair da própria terra e subir a montanha, tem o significado de se fazer uma experiência de Deus. Deixar-se transfigurar por Ele. Abandonar-se confiantes em suas mãos para que nos leve a experimentar um vislumbre da eternidade. Transfigurar é muito mais do que transformar.

Enquanto a transformação muda a forma externa, ou seja, é algo de fora, a transfiguração altera-nos internamente. Essa mudança é tão forte que, como nos diz o evangelista, é até capaz de gerar luz. Não é por acaso que quando uma pessoa está profundamente alegre e feliz, se comenta que está radiante, que tem o rosto iluminado. Ao mesmo tempo em que uso esse exemplo, quero dizer que o considero muito pouco para mostrar a beleza da transfiguração, 

Transfigurar-se é algo tão imenso que as palavras se tornam incapazes de  ser descrito através de palavras. Leva-nos, como a própria ressurreição que celebraremos daqui a pouco, para além da história. Remete-nos, podemos dizer, tempos apocalípticos, o que pode mesmo até nos amedrontar e por isto os apóstolos ficam com medo e são tranquilizados pelo Senhor.

Há momentos na vida nos quais a escuridão toma conta de tudo. Nesses tempos de desconsolo não se consegue enxergar nada à frente. Então, a lembrança desses momentos de transfiguração, quando o rosto irradia luz, tornam-se necessários para que não se perca a esperança. Funcionam para nós como frágil e pequena lanterna a nos mostrar que virá a aurora, pois a noite vai passar e o sol iluminará tudo em volta. A luz que havia nem Jesus foi farol para que atravessasse o túnel escuro do sofrimento, do silêncio profundo de Deus e da morte. Ao ressuscitar, a luz de Cristo que comemoramos na Vigília Pascal, ressurge ainda mais gloriosa.

É Deus quem nos transfigura. Por isso é impossível nos transfigurarmos sem estarmos unidos a Jesus. Além dele é preciso estar na comunidade e nela respeitar a Lei e viver a liberdade da profecia sempre manifestando a vontade de Deus. No caso de Jesus as testemunhas da ação de Deus no Monte Tabor são os três discípulos, Moisés, representando a Lei e Elias trazendo-lhe a Palavra profética de Deus.

A montanha é tentadora. “Está tão bom ficar aqui em cima com o Senhor transfigurado. Façamos três tendas e permaneçamos aqui por cima mesmo. Lá embaixo, além de ter muito trabalho é perigoso”. É o que devia pensar Pedro. Esta também pode ser nossa tentação quando dos momentos fortes de experiência de Deus. A vontade é de permanecer imersos neles, deixando de lado o lugar aonde precisamos atuar.

Para refletir:

- O que significa na minha realidade sair da terra, ou subir a montanha?

- Como está a minha escuta de Deus?

- Permaneço na montanha das missas, ou me coloco a serviço do outro e da comunidade?


Poderá lhe ajudar caso queira rezar essa passagem: 
http://www.fernandocyrino.com/visualizar.php?idt=2846763

1ª Leitura - Gn 12,1-4a
Naqueles dias, o Senhor disse a Abrão: 'Sai da tua terra, da tua família e da casa do teu pai, e vai para a terra que eu te vou mostrar. Farei de ti um grande povo e te abençoarei: engrandecerei o teu nome, de modo que ele se torne uma bênção. Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão abençoadas todas as famílias da terra!'. E Abraão partiu, como o Senhor lhe havia dito.

2ª Leitura - 2Tm 1,8b-10
Caríssimo: Sofre comigo pelo Evangelho, fortificado pelo poder de Deus. Deus nos salvou e nos chamou com uma vocação santa, não devido às nossas obras, mas em virtude do seu desígnio e da sua graça, que nos foi dada em Cristo Jesus desde toda a eternidade. Esta graça foi revelada agora, pela manifestação de nosso Salvador, Jesus Cristo. Ele não só destruiu a morte, como também fez brilhar a vida e a imortalidade por meio do Evangelho,

Evangelho - Mt 17,1-9
Naquele tempo: Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz. Nisto apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus. Então Pedro tomou a palavra e disse: 'Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias.' Pedro ainda estava falando, quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia: 'Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado. Escutai-o!' Quando ouviram isto, os discípulos ficaram muito assustados e caíram com o rosto em terra. Jesus se aproximou, tocou neles e disse: 'Levantai-vos, e não tenhais medo.' Os discípulos ergueram os olhos e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus. Quando desciam da montanha, Jesus ordenou-lhes: 'Não conteis a ninguém esta visão até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos.'


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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 14/03/2011
Alterado em 02/03/2023


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