Liturgia da Missa - Reflexão sobre a Mesa da Palavra da Ceia do Senhor - Quinta-feira Santa – Na ceia pascal Jesus nos dá o exemplo do serviço radical e humilde ao próximo
Nos tempos do comunismo no Leste europeu, um sacerdote discutia com um comunista sobre a eficácia dos métodos socialistas para se consertar o mundo. A certa altura o homem se vira para ele e diz: “Padre, se vocês acreditassem real e radicalmente que Deus está naquele pedaço de pão guardado no sacrário, vocês já teriam transformado o mundo e hoje viveríamos muito melhor”.
Essa é a uma noite especial. Nela iniciamos a celebração da Páscoa. Morte e ressurreição não podem ser separadas. Constituem-se uma só unidade. O seguimento passa pela noite escura do sofrimento até a “mansão dos mortos” para ressurgir, luz gloriosa, na madrugada do terceiro dia.
Na véspera da sua morte, quando já tinha plena consciência de que a obediência total ao Pai o levava a um beco sem saída, Jesus vai com seus discípulos celebrar a Páscoa. Reúne-se então com os amigos para comemorar a passagem de Deus pelo Egito, convidando o povo eleito para a liberdade, que é rememorada todo ano pelos judeus, conforme vimos na primeira leitura.
Jesus dá significado pleno à Páscoa judaica. O cordeiro imolado cujo sangue marcava as portas do povo escravizado passa a ser agora o próprio Cristo. São Paulo, na segunda leitura, escrevendo à comunidade de Corinto, conta-nos aquilo que em toda Eucaristia fazemos memória e torna-se realidade. Tomar o pão e o vinho é comer e beber do corpo e do sangue do Cristo imolado para a nossa salvação.
Somos muito pequenos e limitados e por isto incapazes de captar o mistério tremendo contido na Eucaristia. Tomar e comer daquele corpo e sangue significa a aliança total e radical que temos com Jesus Cristo. A comunhão deve ser milagre transformador da vida. Comer e beber dele sem que a vida se transfigure é engolir a Eucaristia inconsciente do tamanho da responsabilidade que tal ato carrega. Nós cristãos que comemos e bebemos dEle necessitamos aprofundar a fé, para que em nós Ele faça “novas todas as coisas”, até que transformemos o mundo.
A Eucaristia é remédio para os fracos e pecadores. Por isto nenhum de nós pode, definitivamente, se afastar dela. Há gente que ainda navega no engano de pensar que ela é apenas algo como se fora um “complexo vitamínico” para quem já se considera forte. Cuidado porque no seguimento não há quem possa se considerar forte. Lembremo-nos de que mesmo os santos se consideram pecadores. A Eucaristia vai além do remédio para doenças inibidoras do seguimento e fortificante para quem já segue o caminho.
No meio da ceia Jesus toma um gesto surpreendente. Enrola uma toalha no corpo, pega uma bacia com água e vai lavar os pés dos amigos. Com certeza que não compreendiam a dimensão daquele ato. Esse era feito na chegada dos convivas e por escravos ou simples empregados. Eles o deixam fazer até porque deviam se sentir sem ação. É então que Pedro se faz porta voz deles dizendo não aceitar que lhe lave os pés. “Se não lhe lavo, significa que você não é um dos meus, Pedro”. É o que lhe responde Jesus e Simão então se entrega todo. “Lave-me inteiro, Senhor!”.
Não é lavar o corpo todo. No jantar de cerimônia todos já chegam banhados para a festa, da mesma forma que nas nossas comunidades aqueles que terão os pés lavados nessa noite, com certeza que já os lavaram antes. O mandato de Jesus quer nos levar mais além na radicalidade. Primeiro, ajuda-nos a pensar no Batismo, para em seguida fazer-nos refletir sobre a decisão necessária de ser tomada pelo cristão: “Dei para vocês o exemplo para que também lavem os pés de seus irmãos”.
Há tanta gente necessitada que lhes “lavemos os pés”. É bem possível que bem perto tenha gente assim. Pessoas necessitadas que “lavemos seus pés” ouvindo-as, aceitando-as como são, ajudando-as para que cresçam, não as discriminando. Lavar os pés é servir. Sair de si e caminhar até aqueles que de nós estão necessitados. Lavar os pés é tomar consciência do pecado do mundo que o Cordeiro tira na Eucaristia, mas que se mantém provocando tanta dor, miséria, desemprego, exploração, violência... É sentir que também somos parte dessa dura realidade.
A situação do mundo, imerso em tantos problemas, é prova de que ainda, dois mil anos depois, não somos capazes de "lavar os pés" dos nossos irmãos. Comungamos o Corpo e o Sangue do Senhor, mas não o transmitimos o suficiente nem aos mais próximos.
Quanto serviço há para ser feito em casa, na comunidade, na Paróquia, Diocese e no mundo! É até possível que já tenhamos feito críticas pelo absurdo de que ninguém faça aquelas coisas que estão “na cara” que precisam serem realizadas. Não será porque sou eu quem deverá “lavar os pés” fazendo o trabalho que espera por um autor disponível que o realize? Muitas vezes sem que ninguém perceba que sou eu quem o estou fazendo?
Para reflexão nesses dias:
- Como avalio a Quaresma que termino de viver?
- A ceia do Senhor me faz alguém maior e melhor?
- Quais “pés” preciso lavar para ter parte com o Senhor?
- A minha fé no ressuscitado tem transformado a realidade à minha volta?
1ª Leitura Êxodo 12,18,11-14
Naqueles dias, o Senhor disse a Moisés e a Aarão no Egito: “Este mês será para vós o começo dos meses; será o primeiro mês do ano. Falai a toda a comunidade dos filhos de Israel, dizendo: No décimo dia deste mês, cada um tome um cordeiro por família, um cordeiro para cada casa. Se a família não for bastante numerosa para comer um cordeiro, convidará também o vizinho mais próximo, de acordo com o numero de pessoas. Deveis calcular o numero de comensais conforme o tamanho do cordeiro. O cordeiro será sem defeito, macho, de um ano. Podereis escolher tanto um cordeiro como um cabrito: e devereis guardá-lo preso até o dia catorze deste mês. Então toda a comunidade de Israel reunida o imolará ao cair da tarde. Tomareis um pouco do seu sangue e untareis os marcos e a travessa da porta, nas casas em que o comerdes. Comereis a carne nessa mesma noite, assada ao foto, com Paes azimos e ervas amargas. Assim devereis comê-lo: com os rins cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão e comereis à pressas, pois é a Páscoa, isto é, a ‘passagem’ do Senhor! E naquela noite passarei pela terra do Egito e ferirei na terra do Egito todos os primogênitos, desde os homens até os animais; e infligirei castigos contra todos os deuses do Egito, eu, o Senhor. O sangue servirá de sinal nas casas onde estiverdes. Ao ver o sangue, passarei adiante, e não vos atingirá a praga exterminadora quando eu ferir a terra do Egito. Este dia será para vós uma festa memorável em honra do Senhor, que haveis de celebrar por todas as gerações como instituição perpétua.
2ª leitura 1 Coríntios 11,23-26
Irmãos, o que eu recebi do Senhor, foi isso que eu vos transmiti: na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória”. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou também o cálice e disse: “este cálice é a nova aliança, em meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei isto me minha memória”. Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte dôo Senhor, até que ele venha.
Evangelho João 13, 1-15
Era antes da festa da Páscoa. Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-o9s até o fim. Estavam tomando a ceia. O diabo já tinha posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, o propósito de entregar Jesus. Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em suas mãos e que de Deus tinha saído e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido. Chegou a vez de Simão Pedro. Pedro disse: “Senhor, tu me lavas os pés?” Respondeu Jesus: “Agora não entendes o que estou fazendo, mais tarde compreenderás.” Disse-lhe Pedro: “Tu nunca me lavarás os pés!” Mas Jesus respondeu: “Se eu não lavar não terás parte comigo”. Simão Pedro disse: “Senhor, então lava não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça. ” Jesus respondeu: ”Quem já se banhou não precisa lavar senão os pés, porque já está todo limpo. Também vós estais limpos, mas não todos”. Jesus sabia quem o ia entregar, por isso disse: “Nem todos estais limpos”. Depois de ter lavado os pés dos discípulos, Jesus vestiu o manto e sentou-se de novo. E disse aos discípulos: ”Compreendeis o que acabo de fazer? Vós me chamais mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo para que façais a mesma coisa que eu fiz”.
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