A flor sem graça
Era uma vez uma flor. Não como essas que conhecemos e que porque gostam de ser vistas, se colocam sempre à frente nos jardins. Essa era uma flor tímida e que se achava toda sem graça. Ela até pensava que não tinha assim alguma beleza que fosse de ser mostrada. Por isto, quando a semente dela caiu lá bem na frente do canteiro, foi logo dando um jeito de se esconder. Colocou-se então entre uma parede e o tronco de uma trepadeira que cismara de crescer por ali.
Nunca tinha sido vista por ninguém e dava graças a Deus por isto. Dos bichos até havia um beija-flor, duas borboletas azuis e um tatuzinho bola desses de jardim, que a tinham descoberto e que viam nela muitos encantos. Mas era preciso se dar tanta volta para se chegar até ela, que preferiam visitar outras flores mais acessíveis. E isso porque ela também lhes passava a impressão de que se incomodava com as visitas. Já imaginaram que pode haver na terra uma flor que queira ficar sozinha? Pois essa nossa flor da história era assim.
Foi então que numa noite de maio tomou conta do jardim um exército de formigas. Trabalharam a noite toda num trec trec incessante de mandíbulas, até que pouco antes do nascer do sol não tinha ficado mais nenhuma folha ou flor naqueles canteiros.
Aliás, tinha sim, a flor sem graça por estar tão escondida não foi achada pelas invasoras. Suas pétalas e as folhas do seu caule estavam preservadas. Ela era a única em todo o jardim.
A sensação inicial que teve foi ainda de mais tristeza e baixa estima. É que ela pensava assim. “Ai, ai, ai. Sou tão feia e sem graça que nem as formigas me quiseram!” Pela sua cabecinha de flor não passava a idéia de que não tinha sido era vista. Ao olhar para um lado e para o outro reparou que agora estava totalmente devassada e que devido às formigas, o tronco e a parede quase nada podiam lhe proteger.
Veio então um grande medo de que os homens iriam zombar da sua feiúra e de ter sido desprezada pelas formigas. Sentia-se assim, toda chorosa, quando o homem daquela casa saiu para trabalhar. Ela que por causa da mataria só lhe enxergava os pés, via agora todo seu corpo e foi com um arrepio que reparou estar sendo observada.
“Como nunca havia reparado nessa flor tão linda aqui no meu jardim?” Foi o que ele falou a si mesmo na surpresa da descoberta feita. Nossa flor, bobinha que era, ficou olhando para os lados procurando alguma outra que não tinha reparado ter sobrevivido pelas vizinhanças, mas só podia enxergar o tronco, a parede e um montão de caules pelados.
“Não fossem as formigas terem feito o trabalho de podar os canteiros, nunca teria descoberto tão linda espécie no meu jardim”. Ele continuou mostrando-se encantado com a beleza de tão rara flor. As borboletas, beija-flores, joaninhas e tantos outros bichinhos, agora que estava bem à vista, a descobriram e encantavam-se com sua formosura.
E foi assim dessa maneira tão diferente e um tanto esquisita que nossa amiguinha, a flor tímida e que se achava tão sem graça, descobriu que era bonita e interessante. E mais do que isto, pôde ver a sua importância para a existência de maior beleza no mundo.
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 23/04/2011
Alterado em 15/12/2016