Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos

Querida Marília,
a paz!
Você me escreve contando do seu excessivo ciúme e me pedindo uma palavra sobre o como lidar com ele. Imaginei então essa historinha pensando que talvez ela já possa lhe dar algumas pistas sobre o como deverá agir a respeito dessa questão tão delicada e ao mesmo tempo tão destruidora de relações...

Um belo dia um passarinho encontrou o amor. Foram tempos então de se viver dentro de uma alegria muito grande. Somente o fato de que iria daí a alguns dias encontrar aquele pássaro que fazia vibrar seu coração já o fazia feliz. Preparava-se para recebê-lo, planejava mil coisas, tinha mil programas. Aquela espera era vivida intensamente. Mas quando chegava o seu amor pássaro, logo tomava consciência de que ele não tinha vindo sozinho. Atrás se fazia presente uma triste figura. A sombra escura da insegurança. O medo terrível de perder o passarinho amado fazia com que agisse como se fora dono da sua paixão. O pavor da perda fizera com que transformasse em posse a namorada. Posse a ser protegida de tudo e de todos, com se ela fosse um ser despreparado para viver. Foi assim que, pouco a pouco, ergueu um muro em volta da amada. É claro que o passarinho então começou a se sentir preso em uma gaiola. Foi então se tornando infeliz. Do outro lado, ao mesmo tempo em que percebia que seu amor não estava nada bem, o passarinho inseguro também se tornava triste, pois o que mais podia desejar no mundo era a alegria e a felicidade plena da sua amada. Os dois que tanto se queriam eram vítimas do ciúme. Um porque tinha um medo tremendo de perder seu amor e o outro porque não conseguia viver a liberdade, por causa da grande desconfiança daquele que era a sua paixão. E foi assim que, pouco a pouco, como uma plantinha sem receber água e adubo, que aquele lindo caso de amor foi se enfraquecendo, até que chegou aquele dia, o mais triste da vida dos dois, no qual descobriram que não existia mais nada entre eles. Restava enterrar o amor. O ciúme tinha vencido

É claro, Marília, que já sabe disso tudo, mas muitas vezes é preciso que alguém que venha de fora nos coloque na mesa aquilo que já sabemos para que possamos passar da consciência do fato, que está no cérebro, para o sentimento do perigo dele, que se situa bem mais no coração. Um outro ponto que precisa ser levado em consideração é que não conheço você. O que aqui lhe escrevo deverá, ou não, ser apropriado tanto quanto ajude na sua caminhada. Uma última coisa antes de continuarmos essa carta resposta. Valerá muito a pena você buscar uma ajuda mais presencial. Quem sabe uma terapia, um aconselhamento espiritual...

O ciúme é fruto da insegurança. Pode ser que na nossa história tivemos que conviver com fatos e situações, geralmente ligados às pessoas que amamos, de traições e grandes dores causadas pelo amor e que deixaram marcas dolorosas que nos machucaram, ou respingaram em nós. Sim, o amor pode gerar dor. Isto se dá porque o amor humano não pode, de maneira alguma, nos dar a segurança plena que tanto se almeja. Ninguém é capaz de obrigar o outro a amá-lo, nem pode querer também que o ser amado viva por todo o tempo.

Amar é também se dar conta da fragilidade humana. Por causa disto é possível que soframos e que façamos sofrer. Amar é sair de si e ir ao encontro do outro e quando fazemos isto estamos deixando de lado as nossas defesas. Amar é lançar-se nos braços de alguém que, por ser humano como eu, é também frágil e poderá (também como eu) falhar. Opção para o amor é manter-se fechado em si mesmo. Será dar razões ao egoísmo e dentro dele é que não conseguiremos experimentar mesmo a felicidade.

Você me conta do ciúme grande que lhe toma o coração e a mente. Ele é, sabemos todos, uma das grandes causas de desamor que temos. O ciúme pode ser saudável como demonstração de carinho, atenção e cuidado, tomando atenção para que não seja tolhida a liberdade do outro. Na medida em que ela for diminuída pelo meu sentimento o ciúme estará automaticamente se transformando em doença.

Antídoto para o ciúme, amiga, é a coragem de se lançar no amor. Interessante atentar para o sentido primeiro da palavra coragem. Nada mais é do que agir com o coração. Muito ciúme é sinal de pouco amor. Será fazer a opção pela desconfiança em si e naquele que ama, trocando o sentimento tão necessário do amor livre pela posse do ser amado. É se achar dono daquele que até pensamos amar, mas que pode estar se tornando mero objeto de consumo do nosso desejo.

Para se amar verdadeiramente é necessário se correr riscos. Lançar-se a todas as possibilidades. Por isto é preciso cuidar do Amor e cuidar dele é alimentar o carinho e a confiança no outro. Nunca, que é o que acontece nos casais excessivamente ciumentos, alimentar o controle e o medo. Amar é entregar-se como Deus se entrega a cada um de nós. É agir como a criança que se joga, confiante no futuro, dentro do mundo. Sem amarras e sem defesas. Confiando somente, eis que quando confiamos estaremos dizendo eu te amo.

Por isto Deus é amor. Ele ama porque se lança todo. Sem medida nenhuma. Deus se joga total e infinitamente, independente do fato de que estejamos ou não retribuindo o seu imenso amor por nós. Há que se aprender a amar, eu termino lhe dizendo. Nessa escola é necessário se desenvolver a liberdade. Ajudar a pessoa que você ama a se sentir livre, da mesma maneira que ela estará lhe ajudando a exercer também a sua liberdade. Viver fora disto é criar gaiolas douradas para aprisionar o nosso amor, na doce ilusão de que preso ele será capaz de sobreviver.

O meu abraço fraterno,
Fernando.

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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 05/05/2011
Alterado em 08/11/2023


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