A loucura do rei
Num reino muito distante um rei muito poderoso tinha ficado doido. Na sua loucura ele passara a não mais admitir as diferenças em seus domínios. Exigia agora que todos fossem exatamente iguais a ele. Para fazer cumprir essa vontade publicou um decreto ordenando que todos, a partir daquela data, eram obrigados a imitá-lo por dentro e por fora. O decreto chegava a especificar: em todos os seus gestos, gostos e crenças. Como obrigação de rei é mandar e a do povo de obedecer, a nova regra foi cumprida a risca. Começou com todos prestando grande atenção a ele para melhor imitá-lo. A forma como pronunciava as palavras, o modo de caminhar, os gestos, em que acreditava... Tudo era copiado.
O problema foi que essa obediência cega ao soberano teve um alto custo. Ela fazia com que os súditos daquele rei maluco fossem ficando artificiais. Era como se tivessem se transformado em simples fantoches. Contam que um visitante de outro reino chegou a chamá-los, todo irônico, de “bonequinhos de sua majestade”. Aos poucos eles iam deixando de ser humanos e se sentiam tristes e infelizes com isto. Nada podia ser diferente por lá. Como grande símbolo da mudança o tal rei instituiu a cor oficial do país. Obviamente esta seria a sua cor preferida, o verde. Passou pouco tempo e não se via outras cores por lá.
Tudo que não fosse esverdeado era imediatamente escondido ou pintado dessa cor. A coisa tomou tal vulto, que rolava pelas ruas um boato de que o rei pedira a um conselho de sábios, para que estudassem a transformação em verde das pessoas e de mais quatro coisas: a terra em si, as nuvens, a água e até o céu. Tinha gente que ria disso e havia outros, mais crédulos, que se preocupavam bastante achando que existia fundamento nessa história. Acreditavam uns e duvidavam outros de que os gênios do reino saberiam dar solução para a questão.
Um dia esse povo viu que a vida tinha ficado absurda. De uma mesmice total e que não havia mais nenhuma graça em se viver. Foi então que aqueles mais crentes, aflitos com a possibilidade de que até as pessoas e o céu iriam ficar verdes, iniciaram um movimento secreto contra esse estado esdrúxulo de coisas. Avaliaram suas forças e constataram a total impossibilidade de lutar contra as armas verdes do exército verdejante. Foi então que esses questionadores, ao também reparar que o povo se mantinha acomodado, totalmente esverdeado, resolveram fugir para o país vizinho e de lá organizar a resistência e a conscientização dos cidadãos do reino.
Foi numa manhã que eles foram embora. O mais interessante da história é que como eram todos verdinhos foi muito fácil escapulir. É que eles se confundiam com a paisagem e os soldados não os viram. Na terra nova onde chegaram, puderam ver a riqueza e a maravilha de se ser o que cada um é na realidade, ou seja, bem diferentes. Havia gente de todo jeito e a vida se renovava a cada momento. Parecia um arco-íris de tão bonita. Apesar de todos serem tão distintos eles se descobriram, na aventura da fuga, como únicos na vontade de viver uma vida mais plena e unida. Eram um e eram vários, foi o que constataram. Preservavam a unidade de serem uma comunidade de amigos, sendo diversos entre si.
As informações sobre a maravilha da diversidade que agora eles experimentavam no reino vizinho, mesmo estando a Internet censurada, conseguiam chegar no seu país. O povo que havia se esquecido do seu passado, tomava consciência de que outro mundo é possível e animados com o exemplo desses líderes, organizava-se e se fortalecia. O soberano, como costuma acontecer com esse tipo de rei, continuava alienado em seu castelo verde e quando se deu conta do que estava ocorrendo, já havia coisas demais de outras cores espalhadas e ele então viu que não conseguiria manter o reino verde. Resolveu ir embora sentindo o fracasso da sua insanidade.
Numa noite escura - apesar das tentativas dos cientistas para que se esverdeasse - subiu na carruagem verde, com cavalos também pintados dessa cor e foi pedir asilo político em outro reino. Ao acordar o povo viu que ele já não reinava no castelo e então houve por lá três dias de muita celebração. Era festa como nunca tinha acontecido. Todos dançaram, cantaram e se alegraram até não poder mais. Vestiam as roupas coloridas que estavam guardadas nos baús escondidos nos sótãos de suas casas. Foi nesses dias que cada um redescobriu a felicidade de se ser único na sua identidade de ser humano, mesmo estando em meio à diversidade de um imenso povo. Fazia-os únicos a crença no ideal da liberdade.
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 08/06/2011
Alterado em 15/12/2016