Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra do 15º DOMINGO Tempo Comum Ano A – O Amor de Deus e o plantio das sementes

Um agricultor guardava cuidadoso o seu saquinho de sementes. Toda manhã ele olhava o tempo para saber se enfim era a hora do plantio. Esse dia custava a chegar e já se sentia preocupado, com receios de que o tempo naquele ano não fosse propício à lavoura. Numa madrugada foi acordado pelo barulho da chuva no telhado. Deu graças a Deus, vestiu-se, calçou a bota, pegou o saquinho e lá se foi rumo ao campo. As sementes, que percebem essas mudanças do tempo muito antes que os humanos, estavam há dias alvoroçadas na expectativa de serem plantadas. Quando se sentiram nas mãos do agricultor se alegraram e imaginavam a terra mais linda aonde seriam enfim postas. Acontece que o saco estava furado e ele não notara. Assim, por aonde ia passando sementes caiam. As primeiras ficaram perto de casa na trilha que levava à roça. Essas alimentaram os passarinhos. No atalho das pedras várias outras ficaram, brotaram e logo secaram, porque as raízes não tinham onde buscar água e alimento. Foi o frio chegar e aqueles ramos secos serem apanhados para alimentar o fogo que aquecia sua casa. O lavrador agora estava entre espinheiros e sementes que ali despencaram chegavam ao chão arranhadas. Estas, mesmo assim, brotaram e frutificaram, mas era impossível que houvesse a colheita. Foi assim que coelhinhos e preás que por lá tinham as tocas protegidas das raposas e lobos puderam se alimentar. Por fim o homem chegou à terra preparada para receber as sementes. Lançou-as então com alegria e elas lhe deram bastantes frutos.

Estamos diante de uma das parábolas mais belas de Jesus. Suas histórias, adaptadas à mentalidade e capacidade de percepção do povo simples do seu tempo, convidam-nos a olhar mais profundamente para a realidade. E, mesmo não sendo agricultores, a parábola deste domingo continua tremendamente atual.

Numa visão de longo prazo nenhuma semente se perde. Isaías nos mostra esta verdade na primeira leitura. Assim como a chuva e a neve voltam aos céus depois de fecundarem a terra, também a palavra que sair da boca de Deus, para Ele haverá de retornar após ter cumprido sua missão, ou seja, depois de ter dado seus frutos.

Somos muito pequenos e o nosso horizonte de visão é mínimo em relação ao mistério da Trindade Santa. Por isto muitas coisas nos parecem ser sem sentido e vê-las assim dificulta-nos reparar na ação do Senhor em uma série de acontecimentos. O que para nós é mero absurdo, para Deus tem o sentido misterioso da salvação e de crescimento.

Quando Mateus escreve a parábola viviam-se tempos difíceis na Igreja nascente. Havia perseguição, muitos recebiam a Palavra e nem a compreendiam, outros a acolhiam, mas depois, por causa dos apelos da vida e das riquezas, a largavam. Daí que era preciso que se reforçassem a fé e o ânimo daqueles de “terra boa” que perseveraram, para que sentissem que poderiam ver os frutos do seu apostolado. Mas sabemos que nem sempre poderemos ver os frutos. Tanto que Paulo vai nos recordar que é um o que planta, outro o que rega e é Deus quem colhe.

Tudo converge para a glória de Deus, ele também nos diz e se caminha para Ele é porque frutifica. Tendo olhos tão míopes, fica difícil perceber esse caminhar do Universo para o Senhor, O Ômega da criação, na visão bonita de Teilhard de Chardin. Por isto, olha-se em volta e, fruto do pecado existente em cada um, torna-se complicado de imaginar que haja, em quantidade, terrenos adubados e macios, sem pedras e espinheiros.

É preciso ter fé para ver que, de tudo e de todos, o Amor de Deus é capaz de fazer terra boa. Por isto, temos a certeza de que na sua misericórdia não existe colheita perdida. Toda semente lançada, de uma ou de outra forma, no curto ou longo prazo, será geradora do bem e contará na edificação do Reino.

É por isso, que na historinha de hoje trago a intuição de que também agrada a Deus e faz parte da construção do Reino, que os animaizinhos sejam protegidos, cuidados e alimentados. Da mesma forma que alimentar o fogo para cozinhar os alimentos e aquecer a casa do semeador também é fruto.

Toda terra é sagrada, é boa. Restringir a compreensão dessa passagem à questão de que só a semente lançada em um pedacinho da terra agricultável, a terra boa, é que dá frutos é tratar do óbvio e Jesus, para falar de coisas tão evidentes, não precisaria fazer uso das parábolas.

Vivemos num mundo em que se prega a produtividade total. Tempos nos quais, para a otimização do capital, a competição é incentivada continuamente para que nada deixe de dar resultados imediatos ou no médio prazo.

Esta visão pode levar a uma aprovação de modelos econômicos nos quais se avaliam as pessoas pelo que produzem. Daí a se considerar que são boas as que geram grandes resultados e que, em contra partida são ruins aquelas que não conseguem produzir os frutos que se buscam, é questão de se dar só mais um passo.

Para Deus e consequentemente também para nós, o valor do ser humano não pode ser colocado naquilo que produz, mas sim no que ele é. Não é difícil imaginar o que aconteceria conosco se Deus fosse capitalista... É preciso ter atenção para que uma leitura simplista da parábola, não leve a uma aprovação automática de modelos econômicos excludentes e por causa disto perversos.

A Trindade é semeadora de Amor e suas sementes são de todos os tipos. Há aquelas que darão os alimentos que irão para a mesa. Outras que serão vendidas para que se possa ter aquilo do que se precisa. Haverá até aquelas que se tornarão comida para os animais e adubo para a terra. Mais do que da produção de crentes na Igreja, o mistério das sementes de Deus precisa ser contemplado como gerador da vida plena, no bem feito às pessoas e ao mundo que nos acolhe.

Não se quer dizer com isto que se possa relaxar ao semear, eis que todas gerarão o bem. É claro que se deve trabalhar com afinco, plantando as sementes da melhor forma e cuidando da terra para que gerem bastantes frutos. Não será porque de tudo que fazemos Deus sabe tirar coisas boas, que lançaremos as sementes descuidadamente. Há que se fazer o plantio como se ele só dependesse de nós, confiando na certeza de que os frutos serão gerados não pelo nosso trabalho, mas por causa do Amor e da misericórdia infinitas do Pai.

Pistas para reflexão:

- O que semeio vida afora? O que é semeado em mim produz que tipo de frutos?

- Como tenho cuidado da Terra?

- Agradeço a Deus pelos frutos que recebo gerados que são por sementes que nem sei quem as lançou em terra?

1ª Leitura - Is 55,10-11
Isto diz o Senhor: assim como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam mais, mas vêm irrigar e fecundar a terra, e fazê-la germinar e dar semente, para o plantio e para a alimentação, assim a palavra que sair de minha boca: não voltará para mim vazia; antes, realizará tudo que for de minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi, ao enviá-la.

2ª Leitura - Rm 8,18-23
Irmãos: Eu entendo que os sofrimentos do tempo presente nem merecem ser comparados com a glória que deve ser revelada em nós.
De fato, toda a criação está esperando ansiosamente o momento de se revelarem os filhos de Deus. Pois a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua livre vontade, mas por sua dependência daquele que a sujeitou; também ela espera ser libertada da escravidão da corrupção e, assim, participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus. Com efeito, sabemos que toda a criação, até ao tempo presente, está gemendo como que em dores de parto. E não somente ela, mas nós também, que temos os primeiros frutos do Espírito, estamos interiormente gemendo, aguardando a adoção filial e a libertação para o nosso corpo.

Evangelho - Mt 13,1-23
Naquele dia, Jesus saiu de casa e foi sentar-se às margens do mar da Galiléia. Uma grande multidão reuniu-se em volta dele. Por isso Jesus entrou numa barca e sentou-se, enquanto a multidão ficava de pé, na praia. E disse-lhes muitas coisas em parábolas: 'O semeador saiu para semear. Enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho, e os pássaros vieram e as comeram. Outras sementes caíram em terreno pedregoso, onde não havia muita terra. As sementes logo brotaram, porque a terra não era profunda. Mas, quando o sol apareceu, as plantas ficaram queimadas e secaram, porque não tinham raiz. Outras sementes caíram no meio dos espinhos. Os espinhos cresceram e sufocaram as plantas. Outras sementes, porém, caíram em terra boa, e produziram à base de cem, de sessenta e de trinta frutos por semente. Quem tem ouvidos, ouça!' Os discípulos aproximaram-se e disseram a Jesus: 'Por que tu falas ao povo em parábolas?' Jesus respondeu: 'Porque a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não é dado. Pois à pessoa que tem, será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem, será tirado até o pouco que tem. É por isso que eu lhes falo em parábolas: porque olhando, eles não vêem, e ouvindo, eles não escutam, nem compreendem. Deste modo se cumpre neles a profecia de Isaías: `Havereis de ouvir, sem nada entender. Havereis de olhar, sem nada ver. Porque o coração deste povo se tornou insensível. Eles ouviram com má vontade e fecharam seus olhos, para não ver com os olhos, nem ouvir com os ouvidos, nem compreender com o coração, de modo que se convertam e eu os cure'. Felizes sois vós, porque vossos olhos vêem e vossos ouvidos ouvem. Em verdade vos digo, muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram, desejaram ouvir o que ouvis, e não ouviram. Ouvi, portanto, a parábola do semeador: Todo aquele que ouve a palavra do Reino e não a compreende, vem o Maligno e rouba o que foi semeado em seu coração. Este é o que foi semeado à beira do caminho. A semente que caiu em terreno pedregoso é aquele que ouve a palavra e logo a recebe com alegria; mas ele não tem raiz em si mesmo, é de momento: quando chega o sofrimento ou a perseguição, por causa da palavra, ele desiste logo. A semente que caiu no meio dos espinhos é aquele que ouve a palavra, mas as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a palavra, e ele não dá fruto. A semente que caiu em boa terra é aquele que ouve a palavra e a compreende. Esse produz fruto. Um dá cem, outro sessenta e outro trinta.



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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 04/07/2011
Alterado em 07/07/2023


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