Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra do 20º Domingo do Tempo Comum - Ano A - A cananéia. Uma mulher ajuda Jesus a compreender a universalidade da sua missão
A guerra gerou muita miséria naquele país. Para não morrer de fome a mulher juntou os filhos e o pouco que lhes restava e partiu para uma terra distante. Nesse lugar os estrangeiros não eram bem recebidos. Eles não gostavam de gente pobre e muito menos que fossem morar dentro das suas fronteiras. Lá havia políticas bem definidas para expulsá-los. Aquela fome que sentiam no seu país crescera ainda mais. Além da falta da comida, não tinham agora o carinho, atenção e o cuidado que a família e os amigos sempre oferecem. Um homem passava e havia muita gente a sua volta. Ela reparou que as pessoas saiam de perto dele dando graças a Deus e sorrindo felizes. Tomou coragem e se aproximou, mas como sempre não se sentiu acolhida. Aquele homem bom falava que o que tinha para oferecer era somente para os seus e não para os gringos. A mulher, vendo nos olhos dele toda a bondade do mundo, lhe retrucou: “temos fome, deixe-nos ao menos comer as migalhas do seu amor caídas no chão”. Ele viu quão grande era a confiança dela na sua bondade e misericórdia. Descobriu ainda mais: que no mundo todos somos irmãos e devemos ser cuidados, independente do lugar de nascimento, cor da pele, religião, ou sexo.
Quando olhamos para Jesus é bem provável que primeiro iremos reparar nele a divindade. Essa mirada dificulta vermos aquilo que Ele possui em comum com cada ser humano: a humanidade. Esse mesmo ângulo de observação de Jesus, que muitas vezes nos foi proposto prioritária e enfaticamente pela Igreja, pode fazer com que não percebamos a tomada de consciência progressiva dele em relação à sua missão.
Parece que ao se encarnar sua divindade torna-se oculta e Ele inicia então o aprendizado para se tornar como qualquer um de nós. Jesus não veio pronto. Tanto é assim que “crescia em sabedoria e graça diante de Deus e dos homens” como bem nos ensina Lucas ao relatar-nos os Evangelhos da infância. Essa passagem da mulher Cananéia relatada por Mateus apresenta-nos uma etapa importante desse crescimento humano de Jesus: Ele vê que seu povo não se restringia ao Antigo Povo da Bíblia. Nesse episódio Ele tem ampliada a consciência e passa a perceber o sentido universal da sua missão.
É muito bonito ver no relato de Mateus essa caminhada de Jesus rumo a uma humanidade plena. Ele não vem pronto, vai aos poucos aprendendo a ser um de nós. Na sua vinda e construção da humanidade há implícito um chamado ainda mais belo. Ele nos convida a que façamos o caminho inverso, ou seja: A segunda pessoa da Santíssima Trindade assume a nossa humanidade para que possamos nos divinizar.
Na contemplação que faço da cena gosto de imaginar essa mulher estrangeira e tão discriminada, como uma das primeiras santas do Novo Testamento, uma santa da qual não sei o nome, mas que a invoco como Santa Cananéia. A mulher que ajudou Jesus a perceber que, a partir da sua vinda, povo de Israel deixa de ser somente o judeu, mas que não há mais distinção de raças ou países. Todo ser humano agora é parte integrante do povo de Deus.
Um aspecto mais prático que gostaria de lhes trazer para reflexão, diz respeito à necessidade de uma atenção maior à forma como o mundo tem tratado os estrangeiros. Reparem que no nosso país, por exemplo, exceto os índios, de uma forma ou de outra somos todos migrantes. Mesmo assim costumamos não dar a devida atenção a este aspecto da realidade e o paradoxo é que aqueles que chegam hoje, sem dinheiro, não são bem recebidos pelos outros que num passado remoto, ou não tão distante, tiveram seus antepassados bem acolhidos na terra.
Vivemos os tempos complexos da pósmodernidade. Nele vários sinais parecem não fazer sentido. Ao mesmo tempo em que se está conectado com todos em tempo real, a xenofobia recrudesce e os migrantes são mal vistos mundo afora. No nosso próprio país ainda é possível perceber o preconceito em relação a irmãos nossos nascidos em lugares mais pobres, ou mesmo no Norte e Nordeste. Como cristãos temos que, como Jesus, aprender a acolher o que chega de outra cultura e nos é ainda estranho.
Numa abordagem mais ampla dessa mensagem é importante que percebamos que não estamos na “pátria” definitiva. Nesse sentido torna-se ainda mais claro o fato de sermos todos estrangeiros. Estamos de passagem e nessa caminhada é necessário que acolhamos e mais do que isto, aprendamos a conviver com os diferentes. É preciso que como seguidores de Jesus aprendamos a nos inculturar acolhendo outras culturas, novos modos de ver e sentir a realidade.
Pistas para reflexão durante a semana:
- Sinto não ser esta a minha pátria definitiva?
- Deus se faz homem, para que eu possa me divinizar. O que isto significa na minha vida prática?
- Sei acolher o migrante pobre?
1ª Leitura – Is 56,1.6-7
2ª Leitura – Rm 11,13-15.29-32
Evangelho - Mt 15,21-28
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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 08/08/2011
Alterado em 27/09/2014