Silêncio de Deus
Labuta é a sina definitiva do vivente. Fugir dela é cair nas presas do demo e desse, rezo logo o nome do padre, quero distâncias seguras. Suor pinga do rosto, as pernas vão cansadas e os pés caminham inchados, mas na vida não tem volta para a barriga de mãe. É seguir adiante tropeçando nas interrogações.
Dificulta o viver é que as coisas carecem de ter suas absolutices. O preto e o branco se tornam acinzentados a toda hora. Não dá pra ficar só na canseira de tanger a vida e vigiar a alma, para não cair nas tentações do capiroto. Há que se ter tempo de, entre dois buritis, pendurar a rede e ficar na leseira, só no observar passarinhos que vão e os que voltam. No sorrir bobo de olhar para riba e ter a cabeça confundida das contas erradas, na cabeça de quantos tenham sido os de pra lá e os de pra cá.
Gosto mesmo é disso. Do quase nada. De manter as orelhas desatentas de escutar barulhinho da água passando no entre pedras da vereda. Viver é perseguir ensimesmado na dúvida. Das certezas de se afirmar definitivas só conto dedos da mão:
Que a existência é trabalhar para morrer no pago de mil pecados; a imensidade de passarinhos no céu; que de amor a gente sofre das agonias da dúvida; de saber do cão vigiando as encruzilhadas.
Mas o que verdadeiramente mais me gerou susto foi a descoberta de que Deus é silêncio.
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 18/09/2011
Alterado em 26/01/2016