Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


As dúvidas e as certezas

Tem coisas que pertencem ao reino das certezas. Dessas não há que se carecer de possuir dúvida. Já se contou de ter acontecido dia, no qual o sol tenha se esquecido de trabalhar na lavra da terra? Consoante é assim também o natural existir de qualquer passarinho, quando é chegado o seu tempo definido de botar ovinhos. Nenhum deles que há de negar de fazer piupiupiu para a namoradinha saltitante. Apresente-se agora quem já viu algum que há de ter desdito a regra. Trovão que ribomba anuncia que chega a era da chuva. Poeira e vento confirmam a visita desmazelada da seca.

Quando achava que era tudo assim definido, me dei numa noite de procurar vaca parida nas capoeiras, com certo tanto de estrelas despencando do céu. Acha que é por vontade de Deus que elas caem? Afianço que dessa lei divina elas não trazem papel, até porque Deus não assina. Nenhuma que sai lá do alto vem com permissão, que seja de sinal de mão, ou partida da boca do criador.

No meu assuntar eu acho que é por inveja de querer ter vida de humanos, que lá do alto se despregam. Vem fugidas as estrelinhas, para a desgraça de morrerem queimadas no mergulho doido, sem haver nenhuma que tenha alcançado tal intento de aqui morar. Estrela vivente a brilhar aqui na terra? Disso tenho mil dúvidas. Tirante os loucos que vêem de tudo e de nada, ninguém assim de ser pessoa de siso, gente de se poder colocar crença na palavra, que haverá de ter dito que já presenciou alguma.

Assim que lugar para se deitar existe mesmo é de duas qualidades distintas. Há rede pra balangar presa entre dois paus de árvore, mascando o azedinho do talo de capim e têm camas de se dormir no bem bom da alvura dos lençóis dentro de quarto de moradia. Se do lugar de dormir guardo certezas, do modo de se adormecer tenho mil dúvidas. Desse ponto careço ainda de ter melhor entendimento.

Do que me ocupo agora é de coisas do lado da banda direita. Do ramo das maiores e mais absolutas certezas. Aquelas que compreendo macio sem precisar topar cabeça, no duro do se estar desentendido. 

Hoje guardei embrulhinho de carinhos. Nele pus algumas pitadas de rumor das asas de casal de rolinhas, bem como vidrinho de remédio, bem fechado, tendo lá dentro algum restinho da bruma dessa madrugada. Só não quero mesmo é de, por conta das dúvidas, começar a possuir alguma qualidade de medo. 
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 08/10/2011
Alterado em 26/01/2016


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