A borboleta apaixonada
Num jardim muito bonito de um país mágico vivia Raissa, a mais linda borboleta das redondezas. Apesar de belíssima ela vivia numa tristeza que dava bastante dó aos outros bichinhos do lugar.
Sempre chorosa, passara a evitar os voos que as irmãs tanto apreciam fazer, para que o reflexo das asas à luz do sol as tornasse ainda mais esplêndidas.
Mantinha-se escondida entre as folhas. As minhocas haviam reparado que naquele ponto sob ela, a terra mantinha-se mais úmida pelo gotejar das lágrimas. É que seu namorado encantara-se por uma libélula e partira em tresloucada tentativa de acompanhar seu lépido voo.
No emaranhado de galhos entre os quais se ocultava, arquitetava mil planos para retomar o amado. Fora a um tatuador para que lhe gravasse desenho novo e ousado que o surpreendesse; modificara a voz tornando-a ainda mais fina, por achar que ele não gostava de seu jeito de falar e, por incrível que pareça, até deixara de comer com vista a ficar mais magra ainda do que as borboletas de sua família. Tudo isto na esperança de que ele voltaria ao enlevo das suas asas.
Num sábado à tarde ela ficou alvoroçadra, trêmula, ao perceber a chegada do amado. Voou rápida para ele e lhe sorriu melosa. Sussurrava-lhe aquelas palavras mais doces que tanto treinara com a nova voz, enquanto abria as asas para lhe mostrar, como quem não quer nada, o corpo magérrimo e as asas com desenho diferente.
Acham que ele a reparou? Para ele Raissa nem existia naquele momento que era para ser mágico do jardim. Botando os bofes para fora pelos esforços de voar junto à libélula, mantendo sua mesma velocidade e esperando-a, aflito, eis que lhe prometera voltar para o casamento depois de surfar por sobre as águas de algumas lagoas recém-descobertas, o nosso amigo nem notou as asas redesenhadas, o corpo magro e a voz mais delicada da ex-namorada.
Olhando a triste cena do interior do buraquinho, Dona Biroca, a minhoca mais sábia daquela colônia subterrânea, condoeu-se da situação de Raissa e a chamou. Não que fosse para atendê-la, longe disto, eis que foi a barriga vazia, de dias sem tomar do néctar das flores, que lhe provocara fraqueza impedindo-a de retornar ao seu cantinho. Meio caindo meio voando ela veio dar ao lado do furo de onde Biroca lhe tinha feito psiu.
Após um tempo de silêncio através do qual queria lhe dizer do respeito pela sua dor, ensinava-lhe dizendo que não seria modificando o jeito de ser que conquistaria o amor perdido. Amar, lhe dizia Biroca, é ser aceita da forma exata que se é, com todas as belezas e os defeitos que se tem para, a partir daí, desenvolver-se e fazer crescer junto o parceiro.
Mudar a maneira que se é para ser amada é mera ilusão e não leva ninguém na direção de um futuro feliz. Mais uns dias e se verá frustrada e ainda mais melancólica, por não conseguir manter a personagem criada, essa borboleta diferente, por mais bela que possa vir a ser, jamais a fará feliz.
Raissa continuava triste, mas tinha entendido o recado. Não seria se modificando que ela faria com que o amor retornasse. Amar, agora bem o sabia, é dar e receber carinho e cuidado fazendo com que o outro cresça e se torne melhor, a partir daquilo que se é e não que se altere simplesmente para se adequar às expectativas do outro. Amar também, ela deduziu, era se gostar exato daquele jeito que se é.