Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra – Montanha e planície: Contraste entre a glória e a dura vida de serviço de Jesus - 2º Domingo da Quaresma – Ano B
Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E transfigurou-se diante deles. Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar. Apareceram-lhes Elias e Moisés, e estavam conversando com Jesus. Então Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Pedro não sabia o que dizer, pois estavam todos com muito medo. Então desceu uma nuvem e os encobriu com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles. Ao descerem da montanha, Jesus ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos. Eles observaram esta ordem, mas comentavam entre si, o que queria dizer “ressuscitar dos mortos”. (Mc. 9,2-10)
Era uma vez uma comunidade que vivia rodeada de problemas. À sua volta havia gente drogada, bêbados, casais que não se amavam, crianças mal cuidadas e vários outros tipos de violência. Definiram então por lá que não dava para se ser cristão num ambiente assim e decidiram se afastar daquilo tudo. Mudaram a Igreja para um lugar alto e fizeram dela uma fortaleza. Somente aqueles que tivessem o mesmo (bom) comportamento, tinham permissão para se aproximar. Com o tempo passaram a ser conhecidos como “os alienados da montanha”. A vida acontecia lá embaixo e eles lhe eram indiferentes. Não participavam dela. Estavam tão distantes da realidade que até ficavam imaginando que se manter puros lá no topo, nada mais era do que cumprir a vontade de Deus.
É com três discípulos, os mais próximos, que Jesus subirá ao alto da montanha e se transfigurará diante deles. As multidões do evangelho de Marcos, que acompanhamos a seguir Jesus nas semanas passadas, ficaram lá embaixo na planície. Visão assim tão importante requer certa intimidade. É bonito e consolador ver Jesus neste começo da Quaresma, caminhando para aqueles momentos tão difíceis da sua vida em Jerusalém, transfigurado, ou seja, totalmente tomado pela glória de Deus.
Transfigurar-se é diferente de transformar-se. A transfiguração vem de dentro para fora. Por isto Madalena acha ser Jesus, à porta do túmulo, o jardineiro. Também por esta conta os de Emaús, mesmo andando horas com Ele, não o reconhecem. Já a transformação vai de fora para dentro.
A cena maravilhosa funciona, como espécie de consolo antecipado para os discípulos, em vista do que ocorrerá com seu Mestre, daí a pouco. Fato é que já terem contemplado o Senhor na glória facilitará, com toda certeza, vê-lo padecente em Jerusalém. É importante também nos lembrarmos que, no início do cristianismo, muita gente tinha dúvidas a respeito do Jesus histórico em relação ao Cristo da Fé.
Naquele tempo havia quem pensasse haver dois seres separados. Vem então o evangelista apresentá-lo em plena glória, para que não houvesse dúvidas de que o crucificado é aquele mesmo glorificado, como a dizer: “Lembram-se daquele dia no qual, com alguns discípulos, Ele se transfigurou no alto do monte?”...
Na Bíblia toda vez que se vai a uma montanha é porque irá acontecer algo importante. Avisar que se subirá ou se estará num morro funciona como sinal de atenção maior, para se observar o que irá ocorrer em seguida. Foi assim com Moisés no Tabor e com Jesus pregando no monte as Bem Aventuranças. O alto é lugar da manifestação de Deus aos filhos.
As roupas brilhantes e muito brancas são as vestes da ressurreição. A gente tem que reparar que naquela época não havia água, muito menos tecnologia, sabão em pó, ou competência de lavadeira que fosse capaz de gerar uma roupa branquíssima.
O momento é escatológico e por isto gera medo. Será no fim do mundo, veremos no Apocalipse, que a “multidão em vestes brancas” caminhará em direção ao Cordeiro de Deus, este mesmo Jesus Cristo glorificado. Da mesma maneira, trajavam branco os anjos que anunciam a Maria Madalena, no domingo pela manhã, o vazio do sepulcro.
Este é um dos momentos mais bonitos do Evangelho e nele não é somente Jesus que é transfigurado. Para que possam estar conversando com Ele, aqueles seus precursores, Moisés e Elias, profetas tão importantes para o Povo da Bíblia, também estão vivendo a mesma experiência. Vejamos que Elias tinha sido profeta duro, que até ordena a degola de muitos sacerdotes de Baal. Moisés anunciara as pragas do Egito. E os dois agora se posicionam ao lado de Jesus glorioso.
É como se o Antigo Testamento, concluído, não mais fosse necessário. Não será, daí em diante, preciso matar os inimigos e nem espalhar desgraças, para que a vontade de Deus se faça presente. A Lei agora, a partir da transfiguração, também muda a figura dos profetas. Daí para frente o que vale é o Amor.
No nosso mundo também acontecem dessas coisas. Quem nunca experimentou, no meio da vida que vai acontecendo comum, a alegria imensa que chega de repente? O coração a querer saltar pela boca, o sorriso que se abre e é provável que nessas horas até nos tenham perguntado o porquê de estarmos tão diferentes. Momentos de grande intimidade com Deus, consolação e ardor missionário. São pequenas transfigurações que Deus nos concede vida afora. Experiências de Amor do Pai, que mesmo assim pequenas, se fazem tão grandes, que até os que estão por perto sentem que há algo de diferente conosco.
Esses momentos funcionam como uma diminuta mostra, um pequenino trailer, daquilo que Deus tem preparado para seus filhos na eternidade. Asim, nas horas de grande dificuldade, e elas sempre acontecerão, não fique esquecido que somos bem maiores do que os problemas e que Deus está presente conosco para superá-los.
A montanha pode ser também local de tentação e é exatamente isto que também vemos neste trecho do Evangelho. Lá no alto, longe das confusões do mundo, as coisas estão tão gostosas, que é mais interessante que se fique vivendo tranquilos por lá. Melhor, Senhor, que façamos três tendas e permaneçamos aqui, é o que sugere Pedro.
Jesus não morde a isca. Ele sabe tratar-se da manifestação de uma tentação do seu discípulo. A vida não acontece nas transfigurações. Essas são só breves instantes. A existência real do dia a dia não comporta a constância dessas maravilhas consoladoras.
Não se discute que acaso se mantivessem seria excelente. A questão é que logo nos acomodaríamos, pois que Deus cuidaria de tudo aquilo, que é da competência do ser humano. Seríamos como crianças tutoradas por Ele. Ficar na montanha é cair na tentação da alienação. De permanecer somente em ambientes protegidos da comunidade.
Seria algo como criar espaços totalmente católicos para se viver. Como dizia um amigo, tentados a nos tornarmos sócios de uma Igreja, mais parecida com um clube, na qual só entram “dos nossos” e onde a piscina está cheia de “água benta”. Em definitivo, não é para uma realidade assim que fomos batizados.
Pistas para reflexão durante a semana:
- Tenho consciência desses momentos de muita consolação na minha vida? Agradeço por eles?
- Tendo a permanecer na “montanha”, ou retorno para o mundo?
- O que significa transfigurar-me?
1ª Leitura – Gn 22, 1-2.9a. 10-13, 15-18
2ª Leitura – Rm 8,31b-34
Imagem: Transfiguração, Rafael
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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 27/02/2012
Alterado em 27/02/2021