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Jesus sabia o que iria lhe acontecer? Um olhar sobre o Senhor a partir do que vivia na sua subida para Jerusalém.
Meu caro Armando,
Paz!
No seu e-mail você me indaga se Jesus, ao passar por estes sofrimentos todos dos quais fazemos memória na Quaresma "já sabia de tudo, sendo assim superior a tudo que lhe ia acontecendo; ou, ao contrário, sofreu tudo como um ser humano comum"?
Esta é uma questão difícil, mas vejamos que a própria Bíblia nos dá indicações bem claras do que possa realmente ter acontecido. Na verdade, há que se salientar primeiramente que somente o próprio Jesus é quem seria capaz de nos responder plena e totalmente esta questão.
Sendo assim, com certeza, que esta será uma pergunta que lhe faremos quando estivermos diante da sua presença no gozo da eternidade com a Trindade Santa e com todos os que amamos e já se foram de nós. Combinemos desde já isto.
Jesus era homem e Deus. Isto o Concílio de Constantinopla, já pelo ano 351 o definiu e em todas as missas proclamamos no Credo. Ele tem duas naturezas distintas, Jesus é homem e também é Deus. Como Deus Ele saberia de tudo, mas há que se observar que tendo assumido a condição humana Ele esvaziou-se totalmente da condição divina, como nos recorda São Paulo (Fp 2,5-6).
Assumir a condição humana e esvaziar-se do Divino é entrar plenamente na nossa dimensão e estar nela, bem o sabemos, nunca seremos capazes de saber o que irá nos acontecer realmente no amanhã.
A Carta aos Hebreus irá nos dizer também que Jesus é igual a nós em tudo, exceto no pecado Hb 4,15). Ser como nós em todas as coisas irá pressupor ainda que Jesus tinha o nosso mesmo desconhecimento das coisas. Ou seja, Ele precisou estudar para crescer.
Nesse sentido, o Evangelho de Lucas, ao nos relatar o episódio do Menino entre os doutores no Templo, irá nos dizer que “Jesus crescia em sabedoria e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52). Assim vemos que, como ser humano irá, como nós, tomando consciência dos fatos na medida em que os vivia.
Raciocinando desta maneira veremos que Ele foi se preparando para a sua missão e dentro dela, pouco a pouco, foi apreendendo quão grande ela era. Alguns episódios na sua vida irão nos mostrar essa sua tomada progressiva de consciência da missão. Repare que na cena do Batismo por João Batista (Mc 1, 6-11) será possível observar um desses momentos chave para compreender esta verdade.
Jesus é fiel à sua missão, mas isto não quer dizer que Ele sabia até aonde ela o levaria. Ou seja, qual seria seu fim? Como ser humano e confiante no Pai e também nas pessoas a quem trazia a Boa Nova do Reino, é claro que desejava que tudo terminasse bem. Que todos aceitassem sua Palavra e que assim o Reino de Deus se instalasse tranquilamente sobre a Terra. Este seria o caminho natural e lógico, não é mesmo?
Só que a prática nos mostrou uma realidade toda diferente. As pessoas não aceitaram seu projeto e isto fez com que fosse levado na direção de um conflito com as autoridades.
O seu programa incomodava tremendamente (como o continua hoje) e os líderes principalmente não aceitaram aquilo que Ele lhes oferecia. Sendo assim acabaram por concluir que era melhor afastar aquele homem lhes trazendo algo que os fazia rever todo conceito de religião e mais ainda, de vida. Isto ameaçava o status quo e sendo assim era necessário eliminá-lo e isto significava naquele contexto condená-lo à morte.
É óbvio que quando os conflitos foram aumentando em sua vida, a consciência de que iria ter problemas sérios lhe vinha. Chegava-lhe também a possibilidade da morte como algo real. Acho que não cabem dúvidas quanto a isto. Mesmo sendo relatos feitos após a Páscoa, veremos nos Evangelhos Jesus predizendo sua paixão.
Nossa carteira de identidade, mais que um número, nome e foto é composta muito mais das decisões que tomamos vida afora. Assim a identidade de Jesus está mais ligada às opções que foi tomando de pregar o Reino. E sabemos que este caminho o levou a um impasse.
O que aconteceu então foi a fidelidade total de Jesus ao Plano divino do Reino. Ele continuou a assumi-lo apesar de sentir que seu seguimento não o levaria a um lugar calmo e tranquilo.
Imaginemos a hipótese de que, conforme esperava Jesus e seu Pai, todos (inclusive os líderes do Templo) tivessem atendido aos apelos do Filho e se convertido. Com certeza que Jesus não teria morrido daquela maneira. Quem sabe teria ficado velhinho e assim, já idoso e com barbas brancas, é que teria sido exaltado por Deus, seu Pai.
Não nos esqueçamos que Jesus tinha à disposição sempre três opções em sua estrada de vida: a primeira seria esta de todos acolherem com alegria seu chamado. Uma segunda seria Jesus ter visto que as pessoas lhe torciam o nariz e optado por fugir. A última foi a que aconteceu na história. Jesus foi fiel e nós (os seres humanos) não acolhemos sua pregação, matando-o.
Imaginar que Jesus sabia de tudo plenamente desde sempre nos coloca diante de outro problema imenso em relação ao Pai. Sabemos, pelo próprio Jesus, que Deus é todo bom. Ele é só Amor, justiça e misericórdia. Como um Pai que é só bom quereria a morte do filho?
Seria imaginar que este pai fosse sádico, não é assim? Veja que mesmo nós, pais humanos, jamais iremos querer que morra nosso filho. Se somos desse jeito, muito mais Deus que é totalmente bom e amoroso iria querer algo tão absurdo.
Claro que Deus sofria também com seu Filho na cruz. O fato aí que precisamos considerar, é que Ele nos criou plenamente livres e Deus é absoluto respeitador das suas criaturas. Ele nunca irá intervir na nossa liberdade. Nem no calvário o Pai interfere. Jesus na semana da paixão e no alto da cruz teve medo e esta é mais uma prova da sua humanidade.
Vejamos que Ele, em meio ao horror pelo que lhe acontecia, chama pelo Pai. Ao gritar “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste” o início do Salmo 22, Ele nos demonstra seu pavor por aquilo que lhe ocorria. Mas logo em seguida Ele exclama “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”, voltando assim a confiar plenamente no Amor e na fidelidade de Deus.
Sabemos que a história não termina na Sexta-feira da Paixão. O capítulo final está no domingo de Páscoa. Jesus é ressuscitado pelo Pai. Ele, apesar do silêncio do Gólgota, não o tinha abandonado e o resgata do reino dos mortos.
Nosso Deus (e aí já iremos ver que Jesus está totalmente na sua condição agora divina) é o Deus da vida e não pode permanecer no escuro da morte. A certeza da sua ressurreição é também a da nossa e isto é tremendo, além de muito consolador.
Assim concluo esta resposta que talvez tenha se tornado maior do que seria desejável. Tudo nos leva a crer que Jesus foi tomando, pouco a pouco consciência da sua missão e dos problemas que dela poderiam advir. Mesmo assim, foi fiel até à morte e morte de cruz.
Agradeçamos a Ele por esta fidelidade de Amor total a nós. A sua fidelidade ao Pai nos resgata e nos salva a todos.
O meu abraço fraterno, contemplando com Jesus sua subida para Jerusalém, paixão, morte e principalmente a sua Páscoa,
Fernando.
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 25/03/2012
Alterado em 25/03/2012
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