Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra – 5º Domingo da Páscoa – Sem mim nada podeis fazer - Ano B
Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor. Ele corta todo o ramo que não dá fruto em mim e poda o que dá fruto, para que dê mais fruto ainda. Vós já estais purificados pela palavra que vos tenho anunciado. Permanecei em mim, que Eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer. Se alguém não permanece em mim, é lançado fora, como um ramo, e seca. Esses são apanhados e lançados ao fogo, e ardem. Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e assim vos acontecerá. Nisto se manifesta a glória do meu Pai: em que deis muito fruto e vos comporteis como meus discípulos. Jo 15, 1-8
Dom Helder Câmara ao encontrar um dos seus amigos, mendigos das ruas de Roma, naqueles tempos do Concílio Vaticano II, costumava pedir-lhe: “Diga-me algo da parte de Deus meu irmão”. O profeta sentia o quanto aquele ser tão abandonado recebia, mesmo que disso não tivesse a menor consciência, a seiva do Amor que brota do Tronco do Pai.
Da mesma maneira que víamos na semana passada, Jesus descansando, por perto de pastores com suas ovelhas, neste domingo iremos contemplá-lo a admirar as videiras Ao observá-las virá nos falar de variadas situações, básicas para a realização do ser humano. Nenhum de nós é ilha e consegue viver independente dos outros; os frutos serão mais abundantes quando ocorrer sinergia; a evidência de que para o crescimento é necessário que haja podas; a força da oração de petição e por último a necessidade primordial que temos de estar unidos a Deus.
Ao rezar essa passagem vêm-me forte essas intuições:
1 - Este Evangelho me traz a impressão de que João escrevia diretamente para nós, homens e mulheres do Século XXI. Vivemos tempos nos quais impera o individualismo. Sem sombra de dúvida, uma das mais fortes características da chamada Pós-modernidade. O mundo, quanto menor se torna, deixando-nos mais próximos uns dos outros, mais se faz gerador de solidão. Lembro-me de um africano contar, numa missa que não aconteceu no Brasil, mas que poderia muito bem ter ocorrido em nosso país, da sua surpresa ao reparar que as pessoas, para celebrar como comunidade, ao contrário do que se acostumara a observar em sua terra na qual se juntavam no templo, buscavam se assentar distantes uma das outras. Acho que disso podemos constatar também que esse colocar-se longe do outro nos levará, automaticamente, a uma maior lonjura de Deus.
2 - É fácil notar que o trabalho integrado dos membros da comunidade é provocador de sinergia. Isto se dá porque nele está presente o Senhor. Por isto, na comunidade, quando nos colocamos na confiança de que sem Ele nada podemos, dois mais dois serão sempre mais que quatro. Há um ditado terrível a nos demonstrar nosso individualismo e que por isto, mesmo citando Deus, nunca que poderia ter vindo dele. Neste triste equívoco se costuma dizer que a vida se dá assim: “cada um por si e Deus por todos”. Não se pode viver na videira sem se estar ligado aos irmãos. Esta ligação provoca compromisso com todos e propicia a maravilha da multiplicação dos bens produzidos, como no milagre dos pães e dos peixes. Juntos podemos muito mais. Em Deus somos seres focados no infinito. Por isto, é preciso combater os convites, uns subliminares e outros nem tanto, que nos impelem à ação solitária. O exemplo vem do próprio Deus. Ele é comunidade plena de amor e integração entre Pai, Filho e Espírito Santo.
3 – A poda é o limite necessário, para que haja ordem interna e não acabemos desintegrados. Tal fato se dá quando se atua indiferente ao tronco, que a todos reúne. A sociedade, cada vez mais permissiva, não vê com bons olhos a poda do crescimento. Exemplo disso são os pais e mães que, em nome de uma pretensa liberdade, tudo permitem aos filhos. São geradores de adultos incapazes de conviver com a falta e a frustração. Cortes assim são fundamentais também para a vida espiritual. Nessa hora aquele que nos aplica a tesoura em ramos que deixaram de ser significativos é o Senhor. A crise, vista várias vezes como estorvo, precisa ser olhada como o tempo de poda. Esta nos fará melhores. Mais capacitados a gerar abundantes frutos.
4 – Estando unidos ao tronco podemos pedir qualquer coisa que esta nos será concedida. A tal frase do Evangelho é possível que alguém torça o nariz. “Quantas vezes pedi com fervor e nada do que solicitei me foi dado”. Podemos murmurar algo assim. É preciso ver que a oração de petição, de maneira alguma é mágica, com entregas rápidas e automáticas, como a daquela pizza solicitada pelo telefone. Sabemos muito pouco da realidade e muito menos ainda de Deus. Uma criança a brincar com uma faca, chorará com raiva quando a mãe lhe tomar a arma, inocentemente, usada como brinquedo. Deus vê muito além daquilo que nossos olhos são capazes de enxergar. Ao olhar a estrada da vida já percorrida pode-se deparar com surpresas. Fatos vistos à época como absurdos, iluminados por novas percepções trazidas pelo tempo, a experiência e a fé, apresentam-se carregados de sentido e significado. É preciso observar também que a oração acompanha o crescimento humano. Um adulto não pode rezar como se fora criança.
5 – É impossível que haja vida onde não esteja presente a misericórdia criadora de Deus. Num exercício absurdo poderíamos imaginar que por um milionésimo de segundo, Ele cochilasse e descuidasse da gente. Tal fato, impossível ao Amor, não significaria a morte, mas o vazio absoluto. Seria como se nada (nós, é claro, incluídos) houvesse algum tempo existido. Portanto, estar ligado ao tronco significa a manutenção da vida. Ramo separado seca e em pouco tempo nem sua cinza existirá mais. Mas esta metáfora tão rica de Jesus não diz tudo. É preciso dar um passo adiante nela. A união com a Trindade se dá na presença solidária e misericordiosa junto aos irmãos. Principalmente aos mais necessitados. Não se pode jamais ser cristão sozinho e muito menos a fé se constrói separada do ramo da justiça. Por isto Dom Helder pedia aos pobres de Roma que lhe fossem porta-vozes do Pai Amoroso.
Pistas para reflexão durante a semana:
- Sinto-me unido ao tronco, tendo consciência de que sem Ele nada posso?
- Em que a seiva precisa me transformar?
- Deixo-me podar?
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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 30/04/2012
Alterado em 01/05/2021