Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra – Jesus vai para o Pai e nos deixa seu testamento - Ascensão do Senhor – Ano B 

Jesus se manifestou aos onze discípulos, e disse-lhes: ’Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura! Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado. Os sinais que acompanharão aqueles que crerem serão estes: expulsarão demônios em meu nome, falarão novas línguas; se pegarem em serpentes ou beberem algum veneno mortal não lhes fará mal algum; quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados’. Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao céu, e sentou-se à direita de Deus. Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam. Mc 16, 15-20

Jesus ressuscitado, por um tempo, se punha em meio aos seus discípulos. Foi assim até que sentisse que eles estavam prontos para assumir a missão. É então que sobe para o Pai. Nessa hora é importante que lhes deixasse seu testamento. Não havia bens físicos a serem repartidos. O que lhes legava era muito mais. Então, numa última aparição, o Ressuscitado lhes passa o que havia de mais importante a ser observado dali por diante. O que lhes deixou é o que também herdamos. É necessário nos tornarmos discípulos missionários. A herança que nos deixa é seu seguimento.

A Liturgia da Palavra deste domingo reserva-nos o texto final do Evangelho de Marcos. Está terminada a narrativa da vida, morte e ressurreição de Jesus. O evangelista, a todo o momento, quis provar aos conterrâneos que Jesus nada mais era do que o Filho de Deus. É necessário, agora que tudo já foi dito, fazer como que um pequeno resumo do essencial, daquilo que nunca poderá ser esquecido.

É como se terminado o longo curso de três anos, no qual os alunos deixaram tudo e, “internados”, experimentaram o que seu Mestre fazia, fosse preciso deixar registrada a síntese vivida até ali. Seria como se fosse feita a pergunta: “vocês creem mesmo no Senhor? Então é assim que deverão se comportar e serão esses os sinais que observarão”.

Os estudiosos consideram estes versículos como acréscimos, feitos pela comunidade ao texto de Marcos. Tal resumo poderia funcionar como alento e incentivo, naquelas horas de dificuldades, nas quais não teriam mais a “presença” do Senhor.

Esse término do Evangelho nos sugere um segundo momento de crise. A primeira tinha se dado quarenta dias antes, quando da Paixão e morte de Jesus. Esta logo foi superada no domingo de Páscoa. Agora o Ressuscitado manifesta-se pela última vez, antes de subir aos céus. A nova crise se dá porque eles sentem que não terão mais, as constantes manifestações da presença do Senhor.

Aquele era o momento no qual a porta da presença “física do Ressuscitado” se fechava. Na verdade, ainda não sabiam como seria lidar com a janela da “ausência presença”, que se anunciava para adiante e que nós, seus seguidores de hoje em dia, tão bem conhecemos e convivemos, considerando essa realidade diferente, o testemunho se torna outro. Não mais porque o vemos, mas porque acreditamos. Ele será visto através dos sinais gerados pela força da sua Palavra.

Que bom que aconteçam as crises. Afinal são elas que levam a comunidade ao crescimento. A crise da “ausência” do Cristo, torna os discípulos mais autônomos. Há que tomar nas mãos as rédeas da vida e não ficar esperando que apareça o Senhor, para solucionar-nos as dificuldades. A partir dessa hora, mais que ver Jesus pelos sentidos, será necessário tomar o seu sentido. Essa palavra deve ser vista mais do que como significado, principalmente como rumo e direção.

Que é a presença? O Senhor após a ressurreição, de uma maneira transfigurada, se punha “presente” entre seus discípulos. Era preciso ajudá-los a superar a crise da sua paixão e morte. Esta presença não era sentida, pelos que estavam fora da comunhão na comunidade. Somente aqueles que acreditavam, é que se tornavam capazes de vê-lo. Mais que com os olhos do rosto, é com a visão de Amor que nos brota do coração que o veremos.

É necessário reparar que há “presenças” que se configuram em ausência, enquanto “ausências” podem ser sentidas naturalmente, pelo olhar da fé, como real presença. A “ausência” de Jesus é hoje vivida pelos cristãos, que não puderam sentir aquela sua “presença” daqueles tempos, como presença real, sacramentalmente, através da Eucaristia.

O Ressuscitado vai muito além. Ele se faz presente nos irmãos. É preciso constatar sua presença nas pessoas à nossa volta, principalmente nos que sofrem e são excluídos.

Quantos casais, apesar da partilha da mesma casa e cama, encontram-se totalmente ausentes um do outro. Outro exemplo de “presença ausência” aconteceu num trabalho acadêmico. Numa universidade um psicólogo tinha como tema da pós-graduação a experiência num trabalho simples. É “contratado” pela empresa de conservação como “faxineiro”. O que mais o impressionou na experiência, ele nos relata, foi que literalmente não era visto por aqueles, que até há pouco eram seus colegas. Apesar de presente era completamente “ausente” para os alunos e professores.

Ter Jesus presente é cumprir seu mandato, tornando-se discípulo missionário. Nessa ordem de Jesus é necessário se tomar cuidado com as palavras. Elas jamais podem ser consideradas de maneira fundamentalista, ou seja, ao pé da letra. Que ninguém vá pegar serpentes, ou imaginar que venenos não lhe causarão nenhum mal. É preciso que cada um veja, individualmente, o que significa dentro da sua realidade essa linguagem metafórica.

Falar de ausência é também tratar da morte e do morrer. Daqueles momentos difíceis e tantas vezes incompreensíveis à razão. A subida para a glória do nosso Senhor precisa ser para seus seguidores, aquela certeza confortadora de que nossos ausentes também subiram aos céus. Estão sentados mais que à direita de Deus, em seu colo amoroso.

O escritor Guimarães Rosa dizia que “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. Há mais de um sentido nessa frase e aquele que mais gosto de imaginar, é que nossos entes queridos se tornam encantados, exatamente porque são acolhidos plenamente pelo Amor do Pai. Sim, a presença de Deus a tudo e a todos encanta.

Pistas para reflexão durante a semana:

- Sinto os sinais do Ressuscitado pela vida afora?

- O Senhor é “presença” naqueles que passam pela minha vida, principalmente os mais simples?

- Creio na ressurreição dos mortos e que somos predestinados à salvação?


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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 14/05/2012
Alterado em 15/05/2021


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