Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


Sei em quem acredito
Reflexões a respeito da fé
Não somos criados para o vazio existencial. A humanidade é projeto maravilhoso de Deus. Ele cria para que nos tornemos com Ele cocriadores. Isto significa que não podemos ficar fechados em nós mesmos. É preciso que sejamos seres em relação. O ser humano só se completará, deixando de ser fragmentado, na medida em que se faz elo de encontros reais criativos, e significativos.

Nesses enlaçamentos há um nó primordial. Trata-se do encontro com o Criador. As criaturas anseiam pelo seu Deus tal qual a terra seca do deserto aspira pela água. Este encontro poderá acontecer de várias formas. A mais frustrante é aquela na qual a pessoa não se dá conta nunca, de que Deus a cria e a chama, estando de braços abertos esperando sua resposta. Trata-se de gente que passa pela existência sem se dar conta do Amor e da presença de Deus na vida.

Há outros que se relacionam com Deus de maneira superficial. Algo como “Ele lá e eu cá”. Deus é aquele que foi recebido em algum momento da vida, quem sabe na infância, a partir de alguém (família, professora, catequista, padre...) que lhe tenha transmitido o Evangelho. Para esses, isto é o bastante. Sabem que Deus está lá e que em horas de dificuldades poderão se acercar dele. Têm consciência de que serão acolhidos de braços abertos, sempre.

Mas há os que buscam mais. Para esses, os que percebem ser a vida muito maior do que aquilo que aparenta um olhar despretensioso, é preciso fazerem-se íntimos do Pai. A relação para valer necessita ser concreta e profunda. É a gente que tem claro que Deus não é alguém que lhe foi simplesmente comunicado e por isto passou a ser aceito sem maiores delongas.

Tomam consciência de que para vivê-lo não será bastante, jamais, o conhecimento dele. O que será buscado então para validar esse encontro fundamental será a experiência do seu Amor no mais profundo do coração. A esta relação do ser humano com o Senhor da sua vida, podemos dar o nome de fé.

Ter fé é encontrar-se com o Criador. Talvez seja mais apropriado ainda dizer que esse encontro se dá não com, mas em Deus. É no Criador que estamos inseridos. Ter fé então é algo que está mais adiante da simples ciência de Deus.

Por isso não será difícil encontrar quem conheça muito de Deus, mas que não necessariamente possua fé nele. Na verdade elas creem mesmo é em outros deuses criados pelo homem: o dinheiro, o poder, o consumismo, o prazer...

A fé, esta verdade nos ensinavam os Padres da Igreja, é muito mais a sensação de Deus em nós. Para que esse sentir Deus se faça pleno e real, será necessário que se caminhe para bem além da inteligência, o centro da razão. Esta será incapaz de oferecer alguma explicação que seja realmente válida.

Nascemos numa realidade cristã. Isto denota que muitos de nós herdamos dos pais e avós o cristianismo. Só que nessa herança é preciso ter cuidado, pois que se recebe o conhecimento da fé, mas a vivência de Deus, que significará este sentir o Criador no coração, essa só acontecerá através da experiência pessoal e intransferível do Senhor na vida. Deus não se conhece, Ele se experimenta.

É interessante notar que quando o povo de Deus se perguntava sobre Javé não respondia com explicações, mas sim com a mostra da sua vida concreta. Dizia sentir que Deus o acompanhava em todas as suas vicissitudes, fossem elas positivas ou negativas. Veja, por exemplo em Dt 26, 5-9 (livro do Deuteronômio). 
 
Quando dizemos que fé nada mais é do que sentir Deus, é necessário se estar atento sobre que Deus é este que será sentido. Ele é Pai sempre bom, justo, pacífico, alegre, carinhoso, verdadeiro, misericordioso...

É imprescindível verificar qual é a experiência pessoal de Deus que carregamos pela vida. Caso ele seja duro, rígido, julgador, fiscal, fechado e cause medo, com certeza que não estaremos experimentando o Deus de Jesus, mas sim um arremedo qualquer dele criado pelos homens.

Na verdade, aqui na Terra, nunca seremos capazes de captar totalmente o Senhor. Iremos como que limpando, lustrando, para torná-la mais bonita, visível e concreta, a imagem de Deus em nós. Santo Agostinho dizia que quando acharmos termos compreendido quem é Deus, não será Ele que foi entendido e apreendido, eis que o Senhor será sempre muito maior do que imaginarmos.

Há muita gente que confunde crise de fé com crise de crença. Esta nós a temos nas pessoas e instituições. A fé somente pode ser posta em Deus. Por isto tenhamos atenção com as pessoas que nos relatam estarem sentindo crise de fé, ou mesmo nos dizem tê-la perdido.

É bem provável que aquilo que estejam vivenciando seja crise de crença, isto é, aborreceram-se ou entraram em conflito com a instituição ou algum dos seus representantes. Aí está caracterizada a crise de crença. As crises de fé, bem mais profundas e sérias, essas são mais raras.

Antigamente fugia-se das crises de fé. Hoje podemos dizer que elas são bem-vindas. Ajudam a purificar e aprofundar a confiança naquele que é todo bom e nunca falha. Quando se está num tempo de fé muito calmo e tranquilo, tende-se a não questioná-la e aprofundá-la. Cuidado, pois tal fato poderá fazer com que acabe perdendo substância e se torne rasa.

A crise de fé pode ser tremendamente dolorosa. Que o digam aqueles que a tenham vivenciado de maneira intensa e demorada. Muita gente, no silêncio da vida comum e rotineira, a experimenta. Lembro aqui três santos que muito sofreram imersos nela:

São João da Cruz experimentou a sua por vários anos e até chegou a cunhar a expressão “noite escura”, título de seus escritos sobre essa problemática. Santa Teresinha do Menino Jesus foi uma que também passou por maus bocados com sua crise de fé. Até sentiu que entre ela e Deus se tinha interposto muralha imensa e instransponível. Chegou a achar que a morte seria ainda mais vazia e aniquiladora do que tudo aquilo que experimentava no dia a dia.

Por último uma santa dos nossos dias: Teresa de Calcutá. Publicada postumamente parte da sua correspondência, pudemos ver o quanto ela a teve profunda. Duvidava em vários momentos da existência de Deus e do sentido pelo qual estava realizando as lindas obras que fez.

A crise de fé nos faz crescer, mas há que se tomar cuidado. Da mesma maneira que pode levar ao desenvolvimento, também poderá matar Deus em nós. Não é a toa que nos ideogramas chineses aquele que significa crise, contempla a junção do de perigo, com um segundo que representa oportunidade.

Inácio de Loyola nos ensina que quando na crise, ou seja, vivenciando tempos de desolação, não se devem mudar as resoluções tomadas. Na dificuldade costuma acontecer a tentação de se largar tudo e partir para outra. É nessa hora, o santo nos encoraja, que se deve reforçar ainda mais a busca da experiência de Deus no mais íntimo do ser.

Vida afora se encontrará bastante gente que possui a chamada “fé do carvoeiro”. Ela nada mais é do que a fé que se recebeu e nunca foi realmente experimentada. Fé do carvoeiro é aquela das pessoas que só acreditam porque alguém as ensinou e as incitou a crer.

Creem porque outros e até a Igreja acreditam. É preciso passar dessa fé, que nos foi ensinada (a do carvoeiro) e que naquele momento nos dava sentido, para a fé real e experimentada. Entre as duas ocorre uma diferença tremenda.

Não existe fé sem que haja de alguma maneira a dúvida. O questionamento faz parte do crer. Isto porque a fé nada mais é do que acreditar naquilo que não se vê. E crer em algo que não se pode provar, com certeza, que foge aos limites da razão.

A fé verdadeira liberta das amarras da vida e é para sermos livres que somos criados. As crenças, ao contrário prendem e até são capazes de gerar divisões e conflitos. Antes de ser uma comunidade de crença, fazemos parte de uma comunidade de fé.

Como é bonito e consolador observar que Jesus costumava dizer às pessoas que “a fé as salvou”. Ele nunca disse que a Lei ou a Religião tenham salvado alguém.
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 28/06/2012


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