A mula, o mouro e o santo
Numa estrada seguia o homem em sua mula. Fora cavaleiro da Corte. No passado vestira roupas vistosas e coloridas. Agora mais parecia um mendigo. A postura era outra coisa. A altivez do porte denotava não ser ele qualquer um.
Preferia ter seguido caminhando, mas a perna menor, ferida quando em batalha, a lhe entortar o corpo, fazia com que a coluna doesse demais. Era impossível que fizesse a pé, naquele dias de muitas dores, o longo percurso a que se determinara.
No caminho encontrara outro homem em belo cavalo negro.
Depois das regulares saudações, entabularam gostosa conversa, eis que falavam das coisas de Deus. Um e outro nem percebiam as passagens das horas e curvas da trilha.
Foi assim até que entrou no bate-papo deles o assunto Nossa Senhora. Encantado com sua mãe do céu, Inácio era só elogios. O homem, na verdade um muçulmano, ficou calado um tempo. Quando abriu de novo a boca foi para dizer:
“Também aprecio muito a mãe de Jesus, mas esta história de permanecer virgem depois do nascimento... Nessa, o senhor vá me desculpando, mas em tal fato milagroso sou incapaz mesmo de acreditar”.
O homem da mula empertigou-se ainda mais na montaria. Baixinho ganhou alguns centímetros com a posição adotada. Não disse mais nada. Fez que o passo da montaria diminuísse e foi ficando para trás.
Ruminava as palavras do mouro e a raiva foi aumentando na medida em que ele sumia lá adiante na estrada. Quando explodiu a decisão estava tomada. Mataria tal homem que duvidara da virgindade da mãe do Salvador e sua mãe. Estaria vingado assim tal ultraje.
Esporeia o animal para que andasse mais ligeiro. É neste passo que chegam a uma encruzilhada. Estacam sem saber qual direção tomara o inimigo. No chão as tentativas de identificar, entre tantas pegadas, aquelas do cavalo preto resultam em vão.
Na verdade enquanto vinha a passos mais ligeiros, um raio de consciência lhe viera. Passou a viver a dúvida se seria mesmo algo bom, vindo desde a vontade de Deus, a deliberação do assassinato. Nessa suspeita não sabia qual das estradas tomar.
Deixa então para as patas do burro a séria determinação do rumo a ser seguido. O bicho se mostra mais prudente e sábio que seu dono e não toma aquela estrada, pela qual o homem que duvidara da pureza de Maria tinha seguido.
Não fosse a mula haver salvado o mouro da morte e Inácio de Loyola do assassinato, bem provavelmente não teríamos hoje o santo.
Moral da história: Mesmo tendo o burro sido inteligente e escolhido o caminho correto, nunca deixe aos animais as decisões que você precisa tomar.
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 15/10/2012
Alterado em 12/02/2016