A partir da alegria pascal, um olhar ainda sobre a quaresma
Terminamos a caminhada quaresmal. Vivemos dias de alegria celebrando a ressurreição do Senhor. A morte não teve a última palavra na história. A ressurreição de Jesus Cristo é prenúncio da nossa própria Páscoa, quando enfim viveremos com Ele e nEle para todo o sempre. Contemplando os acontecimentos desses últimos dias, dou-me conta de que algumas palavras me moveram de lugar. Pelo menos um pouco elas me conduziram para adiante.
A primeira vem lá do domingo passado, a celebração de Ramos. Ela diz respeito à alegria. Contam as catequistas às suas crianças que estamos todos unidos a Deus através de uma invisível linha e que esta é cortada quando nos afastamos dele pelo pecado. Só que naquele momento em que decidimos retornar, o Pai vai correndo e todo alegre amarra de novo a nossa linha.
Daí que quanto mais a gente experimenta a misericórdia de Deus, mais perto dele vamos ficando, eis que nossa cordinha enquanto vai ganhando laços vai se tornando curtinha. Ontem na vigilia pascal (que não fui) cantamos uns versos que nos vêm de Santo Agostinho. Dizem mais ou menos assim: "Oh feliz culpa que nos fez merecer um Salvador". Então a minha primeira palavra, não somente nesta madrugada de Páscoa, mas que veio me acompanhando nesses dias é a alegria.
A segunda palavra é servir. Este é um verbo interessante porque tem dentro dele todas as possibilidades de transitividade, dependendo do contexto do seu uso. Pode ser intransitivo, transitivo direto, indireto e até bitransitivo, ou seja, ter ao mesmo tempo duas transitividades (direta e indireta). A quinta-feira santa é toda do servir (transitiva ou intransitivamente). Deus lava os pés da humanidade. Da nossa base.
Na nossa sociedade de chuveiros e banheiras, nos esquecemos do quão rico era o banho no passado ( mesmo recente). Lembro-me de quando menino ntomava banho de bacia. Naqueles tempos de Jesus, sem sapatos e cimento de um lado e sem pedicures e cremes pelo outro, os pés ficavam horríveis ao final das jornadas.
Água era escassa demais e o costume era que os servidores ou escravos lavassem os pés dos seus senhores e convidados (imagino a cor da água em comparação com essas bacias assépticas dos lava-pés nos quais já se vai com os pés mais do que lavados. Daí que essa imagem acaba ficando meio distante, simbólica apenas, para nós. Lavar pés de quem já os possui limpos.
Mas o convite é para que não permaneçamos na cena, mas viajemos para além dela. O que significa na minha realidade lavar os pés de alguém? Ou fazendo a pergunta sob outra vista a partir do meu ponto: A quem devo lavar? Meus filhos, cônjuge, amigos, alguém doente, o meu pobre, algum pobre que ainda não conheço... outra forma de se perguntar isto é querer saber: o que são os pés que devo lavar? Podem ser mãos, rostos e quem sabe até bundas.
A terceira palavra é silêncio. Como Jesus fala pouco nesta semana! Algumas frases dando as dicas para se celebrar a Páscoa, frases instituindo a Eucaristia, colocando-se a serviço no lava-pés. Pouquíssimas palavras diante dos seus algozes e menos ainda no alto da cruz. Aí me pego em meus barulhos. Em minhas tagarelices e me vejo necessitado de silêncio. Sinto então que mais difícil que calar a boca é deixar que o silêncio se faça interior.
Como grito internamente! Deus é incapaz de falar na gritaria do dia a dia. Ele chega na brisa suave, na capacidade de se prestar atenção ao óbvio. Sim, tenho descoberto que Deus, ao contrário do que pensava de achá-lo em meio a pompas e circunstâncias, está nas obviedades das nossas rotinas. Preciso entender mais o que santo Inácio me diz de "encontrar Deus em todas as coisas".
Uma feliz Páscoa!
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 31/03/2013
Alterado em 01/04/2013