Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


 
Impossível haver um ser mais crédulo do que Tomás. Acaso alguém, a olhar pela janela, exclamasse enxergar um boi voando, lá vinha ele perguntando: “cadê ele, pra que lado foi”? Aquela luzinha da desconfiança que se acende ao se deparar com a provável mentira ou probabilidade de engano, nele está queimada.

Este acreditar sem críticas em tudo o que lê, vê ou lhe é relatado, acompanha-o desde criança. Algo tão forte que apenas ao adolescer foi que desacreditou do papai Noel, saci pererê e de que as crianças surgiam no mundo, vindas do interior dos repolhos.

Fossem só questões ligadas à fantasia, ou a buscar absurdos pela janela, ainda vá lá. A questão foi que tal crença absoluta em tudo e todos, acabou por torná-lo vítima contumaz das receitas milagrosas. A ocorrência trágica causada por uma delas aconteceu há uns três anos, após ter havido o descrédito com as historias da carochinha.

Ia se tornando um rapaz, a voz engrossara e as roupas, pouco tempo depois de compradas se tornavam pequenas. Só havia um problema. Não possuía pelos no rosto. Pouquíssimos haviam ousado também nascer no seu corpo e isto fazia com que se sentisse diminuído perante o grupo. Pela manhã, mirando-se no espelho, buscava indícios de que estavam brotando. Mas nada, o rosto mantinha-se liso como o de uma criancinha.

Vários companheiros já eram um tanto peludos. Alguns, mesmo que fossem meras e sutis penugens sobre os lábios, iludiam-se a considerá-las portentosos bigodes. Tal característica os postava dentre os mais admirados da turma e, com certeza, invejados pelo nosso amigo.

Foi então que tomou conhecimento de uma receita milagrosa, prometedora de fazer nascer pelos em no máximo três meses. Na verdade, afiançava que trinta dias depois de terminado o tratamento, os primeiros resultados já se fariam patentes. Melhor ainda era não precisar de dinheiro. Os ingredientes estavam praticamente à mão. Tomás acreditou.

Propagandeou demais o tal remédio, tentando convencer os mais lisos a se unirem ao tratamento. Nenhum deles comprou a tal receita prodigiosa. Davam razões para a recusa. Quem a apregoava não era gente em quem se podia confiar assim, sem mais nem menos. Também argumentavam, cautelosos, haver o risco de que a terapêutica traria perigos para a pele.

Tomás, mesmo sem ter obtido resultado na intensa publicidade, mantinha-se firme na decisão de aplicar-se tal terapia. A certeza de que com essa medicina logo obteria barba, bigode e cabelo no sovaco, o impulsionava. Tanto cria que até decorara a estranha fórmula. Seu cumprimento dava-se em três sucessivos dias:

1º Dia: Cortar uma folha de bananeira desprezando a área verde. Esmagar a parte branca, mais grossa. Misturar o sumo obtido, observando as mesmas medidas, com álcool e vinagre. Fazendo uso de chumaço de algodão, aplicar nos locais onde se pretenda cabelos. Deixar por meia hora antes de lavar.

2º Dia: Tomar um punhado de açúcar, uma pitada de sal, um comprimido moído de ácido acetilsalicílico e um tantinho da raspa de sabonete azul. Juntar tudo num copo. Com uma colher de café, mexer lentamente pingando água até ficar espesso. Passar nos locais imberbes, permanecendo ao sol até secar. Atenção: só retornar à sombra depois de seca a pele.

3º Dia: Colher vinte gotas de leite de coroa de Cristo (Euphorbia milii) e 24 de Jasmim-manga (Plumeria rubra). Acrescentar 30 gotas de leite de vaca não desnatado. Misturar bem usando um palito, ou pau de fósforo. Com cotonete, aplicar a loção pelas áreas que se deseje peludas. Deixar por no mínimo uma hora. Para aqueles que têm mais pressa nos resultados, sugere-se dormir com o remédio no corpo.


Na primeira noite o corpo coçou muito. Imaginou tratar-se somente de ínfimo efeito colateral do tratamento. Levantou-se com algumas comichões, mas mantendo todo ânimo em continuar a terapêutica.

Cumpriu o segundo passo disciplinado como escoteiro. No final da tarde estava bem mal. Não pregou no sono. Altas madrugadas e só sentia algum alívio quando se punha debaixo do chuveiro. Tomou vários banhos.

Ao término de um deles, olhou-se no espelho. Deparou-se com figura bem diferente daquela tão sua conhecida. O rosto, todo vermelho e empolado ardia demais. Espalhara a poção milagrosa também pelo peito, virilha e pernas. O corpo fervia em brasa. Desesperado buscou socorro no quarto dos pais acordando-os.

A internação durou cinco dias. Ficaria mais atento ao que lhe aparecesse. Mas esta não foi, nem de longe, a dor maior. Duro mesmo foi aguentar a gozação dos amigos. Camisa de manga comprida e a aposentadoria compulsória das bermudas por um tempo ajudavam, a que não vissem o lastimável estado do corpo.

O que não dava para esconder, a menos que botasse uma máscara ou adotasse a burca, era o rosto. Onde desejara tanto houvesse bigode, podia-se observar, já de longe, a casca preta de feia e dolorida queimadura.

Tempo mais que propício para refletir. Ficaria mais atento ao que lhe fosse apresentado daí por diante. Tomás, o crédulo, se renomeava. Seria dali por diante Tomás, o desconfiado. A fórmula mágica que o fizesse capaz de trocar a pequenina lâmpada queimada, em seu planejamento de cama de hospital, era o primeiro item a ser buscado.


 
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 10/06/2013
Alterado em 22/03/2017


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