A liberdade diante das riquezas - Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra - Ano C - XVIII do Tempo Comum
Alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: “Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo”. Jesus respondeu: “Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?” E disse-lhes: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens”.E contou-lhes uma parábola: “A terra de um homem rico deu uma grande colheita. Ele pensava consigo mesmo: ‘O que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’. Então resolveu: ‘Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!’ Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?’ Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico diante de Deus”. Lc 12, 13-21
Descendo de sua casa no alto da montanha, a mulher se abaixou à beira do riacho para saciar a sede. Viu então, resplandecendo aos raios do sol, linda pedra. Bebeu sua água, apanhou-a e a pôs em sua bolsa. Mais adiante um pobre homem esfomeado pediu-lhe algo de comer. Ao abrir a sacola ele pôde ver a jóia a brilhar dentro dela. Disse então: “Dona, não preciso mais de comida. Dê-me esse brilhante de presente”. A mulher, sem titubear, pegou o diamante e sorrindo o entregou ao mendigo. Este, sabedor de que tal pedra o havia tornado rico e que nunca mais passaria necessidades, saiu cantando estrada abaixo. Passado um tempo bateu-lhe grande incômodo. Começou a procurar aquela mulher. Cada dia ficava ainda mais ansioso para vê-la. Uma manhã, já se sentindo meio desesperado, a viu descendo o morro. Correu em sua direção e lhe suplicou: “Dona, vim devolver seu brilhante. O que quero mesmo é que me dê ainda algo mais valioso. Esse seu dom de me ofertar com tamanha liberdade algo que tantos almejam com tanta força”.
Somos parte de uma sociedade movida pelo dinheiro e bens que eles possam adquirir. Vivemos incentivados a todo o momento a acumularmos. Vamos juntando tantas coisas, que nem sabemos mais o que iremos fazer com elas e isto se dá ao mesmo tempo em que muitos têm tão pouco, quase nada, o que só faz aumentar no nosso meio o pecado da injustiça.
Jesus, no Evangelho de Lucas desse domingo, se aproveita do pedido de alguém da multidão, para que tratasse de negócios de herança com um seu irmão, para nos falar do cuidado que devemos tomar com a ganância. Esta nada mais é do que o se deixar escravizar pelo ajuntamento de dinheiro e de coisas. Os bens do mundo são passageiros e é loucura considerá-los como deus. Fazer isto é idolatria, além do que eles nunca conseguirão preencher o coração de ninguém.
Na resposta do Senhor está implícito um recado muito importante a respeito da liberdade. Ao dizer para o homem que não é Ele quem deve julgar ou dividir as coisas da sua família, Jesus está também nos alertando para que não permaneçamos paralisados, esperando que venham do alto as respostas que devamos dar à vida. Somos nós que avaliaremos as coisas e, a partir do que discernirmos, tomaremos a decisão do que deverá ser feito com elas.
Para decidir com autonomia é necessário que nos façamos livres. Como a mulher na história de hoje, que aprendi com o Padre Hermann Rodríguez, o alerta de Jesus não se refere simplesmente ao fato de se possuir ou não riquezas. Mas da liberdade que se possa ter diante delas. Sim porque os bens são tentadores e o fato de acumulá-los poderá fazer com que acabemos escravizados.
O que acontece quando, como na parábola, não nos colocamos com liberdade diante da riqueza, ou seja, se ajuntamos para nós mesmos, somos insensatos, eis que não seremos “ricos” diante de Deus. Tão efêmera quanto os bens que se acumulam é a vida aqui na terra. Ela é passageira e tudo que aqui se juntou de nada terá valia, caso não tenha sido usado para gerar justiça e bem (e não bens) à volta.
Acostumados às notícias chocantes dos jornais diários, precisamos refletir sobre o acúmulo de riquezas. Um artigo publicado, não faz muito tempo, lembrava o fato de sermos o terceiro país do mundo com a pior distribuição de renda. Isto é algo que precisa nos questionar.
A notícia, absurda por si mesma, torna-se ainda mais triste ao nos darmos conta de que somos um país possuidor de ampla maioria cristã. É para esta ganância idolátrica e para este acúmulo insensato que Jesus nos alerta enquanto pessoas e sociedade.
A primeira leitura tirada do Eclesiastes (1,2; 2,21-23) vem nos falar, a partir de outra ótica, desse mesmo tema. “Tudo é vaidade” é o que ela nos recorda. Um nome adequado para a vaidade nos dias de hoje poderia ser poder.
Vivemos em busca dele procurando-o no dinheiro, no acúmulo excessivo de bens e no conhecimento. Ao adquiri-lo nos esquecemos de que ele só tem sentido na medida em que seja colocado a serviço dos outros.
Tudo é vaidade na medida em que nos fechamos em nós mesmos e passamos a ter o poder como fim e para usufruto de nós mesmos. A partir daí tudo é “tormento e sofrimento”. Já o poder serviço é graça e mesmo que seja gerado em meio às dificuldades, que são inerentes à vida, só nos trará paz e alegria interior. Presos à paixão da vaidade acabamos por viver na presunção de que estamos defendidos dos problemas e seremos felizes.
Pura bobagem. Afinal não somos criados para as coisas da terra. Estas são efêmeras e passageiras e ao nos prender acabam por se transformar nos nossos enganos. Ressuscitados com Cristo, nos lembra Paulo ( Cl 3,1-5.9-11), como seus seguidores devemos deixar o fechamento da vaidade para nos mirarmos na abertura para as coisas do alto. Serão estas que nos gerarão a vida plena.
Para reflexão:
- O que tenho guardado com maior cuidado em “minhas bolsas”?
- Como está a minha consciência a respeito da fragilidade da vida?
- De que maneira tenho praticado a justiça?
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