Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


O exercício da liberdade nos levará ao seguimento do Senhor - Liturgia da Missa - Reflexão sobre a Mesa da Palavra - Ano C – XXIII Domingo do Tempo Comum

Grandes multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele lhes disse: 'Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo. Com efeito: qual de vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro e calcula os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, ele vai lançar o alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a caçoar, dizendo: 'Este homem começou a construir e não foi capaz de acabar!' Ou ainda: Qual o rei que ao sair para guerrear com outro, não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil? Se ele vê que não pode, enquanto o outro rei ainda está longe, envia mensageiros para negociar as condições de paz. Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!' Lc 14, 25-33

Era uma vez um homem que vivia só para ajuntar coisas. Tudo aquilo que via e achava que poderia ser útil, logo dava um jeito de tê-lo junto. A justificativa ele a tinha na ponta da língua: “Tenho que ajuntar, porque ninguém sabe como será o dia de amanhã”. De tanto acumular ele teve que dar um jeito de tornar, cada dia maiores, os depósitos onde guardava seus bens. Passado algum tempo e ele nem podia mais sair de casa porque desconfiava de todos. Achava que todo mundo queria tomar daquilo que tinha ajuntado. Tornou-se incapaz de identificar alguém em quem pudesse confiar. Seus amigos até o aconselhavam: “livre-se disso tudo. Essas tralhas não têm utilidade nenhuma”. Mas nosso homem se mantinha irredutível. Nada do que tinha recolhido poderia ser por ele disponibilizado. Mesmo que acontecesse o caso de haver alguém que muito precisasse daquilo. A coisa se tornou pior ainda. É que nessa ânsia de guardar, ele também passou a se achar dono dos parentes, amigos e empregados. Primeiro discretamente e depois sem nem mais disfarçar, considerava como posse todos aqueles de quem gostava, ou que lhe prestavam serviços. Isto fazia com que os que lhe eram próximos se sentissem chateados e incomodados por se sentirem prisioneiros dele. Pensam que era só isto? O tal homem passou a guardar a própria vida. Ou seja, nem fazia mais nada, por medo de gastá-la com algo que não fosse importante, e ao fazer isto vinha sempre uma variação daquela frase: “o melhor é guardar a vida, porque ninguém sabe o que vai ser do dia de amanhã”. Rico de tanta coisa ele morreu sozinho e totalmente pobre de carinho, afeto e amor.

É dessa ânsia de juntar pessoas e coisas, numa falsa busca de segurança e felicidade que o Evangelho de hoje também quer nos falar. Não que devamos amar menos ou não cuidar dos entes queridos. Esta seria uma interpretação fundamentalista das palavras de Jesus.

Não se trata disto, mas sim do fato de não ser saudável que, sendo já adultos, vivamos com a mesma dependência que tínhamos dos pais, irmãos e amigos, dos tempos de criança. O alerta de Jesus é para que não sejamos imaturos. Para que deixemos o comportamento infantil, eis que agora somos homens e mulheres adultos. Responsáveis pela vida que nos é dada.

Nem se trata também de não termos o que é necessário para o sustento com dignidade. A atenção que precisamos tomar é com a forma como os bens são por nós utilizados. Eles estão conosco para nos servir e não para que sejamos servidos por eles, como acontecia no caso do imaturo homem da historinha.

Presos a tanta coisa, a tantos bens e pessoas, não estaremos abertos à vida, ou seja, à cruz que cada um carrega com todas as suas maravilhas e dificuldades. A cruz daquele que vive para acumular bens e se manter infantilmente preso às pessoas, é enorme e nenhum ser humano será capaz de transportá-la. E não dá para seguir Jesus sem carregar, junto conosco, a vida. Sem ela é impossível nos pormos a caminho. E sem estar na “estrada de Jerusalém”, como seguiremos Jesus?

O convite do Evangelho é para que não ajamos por impulso, iniciando a construção sem planejamento. Sairmos para recolher coisas, sem antes termos discernido se aquilo nos convém e nos trará o bem. Jesus nos estimula a termos uma convivência de maior liberdade com as pessoas e as coisas.

Somos todos filhos do mesmo Pai. Ninguém pode se arvorar em se considerar proprietário de ninguém. As coisas criadas também não são minhas. Elas estão à minha disposição, tanto quanto venham me ajudar a crescer como ser humano.

Podemos entender também mais este sentido dentro da segunda leitura. Ao escrever para Filêmon, Paulo pede a liberdade de Onésimo, escravo do destinatário e que estava na prisão com o apóstolo. Todos somos criados para a liberdade do Amor.

Ao considerarmos, tácita ou explicitamente, sermos “donos” do outro significará que não entramos ainda na dimensão do Amor da Trindade, que nos é apresentado por Jesus como caminho para a Vida Plena. Estamos presos ao ter e não ao ser que nos levará um dia à liberdade, ao transcender na vida plena no Senhor.

Para reflexão:

- A quantas anda a relação que tenho com as “coisas”?

- Até que ponto respeito a liberdade dos que vivem à minha volta?

- Como vivo o seguimento de Jesus levando comigo a cruz da vida que me é dada?


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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 02/09/2013
Alterado em 02/09/2022


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