Jesus nos encoraja a insistir no caminho da Justiça - Reflexão sobre a Mesa da Palavra Ano C - XXIX Domingo do Tempo Comum
Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e nunca desistir, dizendo: 'Numa cidade havia um juiz que não temia a Deus, e não respeitava homem algum. Na mesma cidade havia uma viúva, que vinha à procura do juiz, pedindo: `Faze-me justiça contra o meu adversário!' Durante muito tempo, o juiz se recusou. Por fim, ele pensou: 'Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum. Mas esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha a agredir-me!'' E o Senhor acrescentou: 'Escutai o que diz este juiz injusto. E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar? Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa. Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?' Lc 18,1-8
Tendo filhos mortos pela violência, mulheres se reúnem para lutar por justiça. Pobres e moradoras de comunidades, ou seja, sem direito à voz e vez, elas batem em muitas portas que não se abrem. A chance que têm é de ir às ruas e, corajosas, fazem isto. Expõem-se, insistem, mostrando o rosto sofrido à sociedade “aborrecendo-a” até que escute as denúncias do que padecem e do que sofreram seus filhos.
Há uma palavra chave para nos ajudar na compreensão das leituras desse domingo. Trata-se do verbo insistir. Moisés insiste no cuidado e proteção do povo da Bíblia mantendo levantada a sua mão. Paulo diz a Timóteo para insistir na pregação da Palavra. Jesus nos traz a história da viúva insistindo até que lhe seja feita justiça.
As Mães de Acari no Rio, de Maio em São Paulo, da Praça de Mayo na Argentina e tantas outras mundo afora, remetem-nos ao Evangelho de hoje. O documentário Nossos Mortos têm voz mostra bem essa luta materna no Brasil, contra a violência que lhes tomou seus queridos filhos e o esforço, incansável, que fazem para mantê-los vivos em nossas memórias.
Contemplando a cena, ao mesmo tempo em que vejo o exemplo das nossas mães sofredoras pela perda dos filhos pela violência, fico imaginando que Jesus deva ter tomado conhecimento de algum fato acontecido na sua época, no qual uma mulher não conseguia justiça e mesmo assim não se cansava. Perseverava insistindo. Conta-nos então, quem sabe a partir do que assistira, essa parábola para não desistirmos daquilo pelo qual lutamos.
Pode ser que nos confundamos e achemos que devemos “aborrecer” Deus com excessiva obstinação. Não é bem assim. A insistência, como essas mães descobriram, deve acontecer na história e o Senhor não se chateia com ela.
Será de maneira insistente que conseguiremos, realmente, criar um mundo de mais justiça e solidariedade. Para isto devemos praticar a cidadania, nos unirmos, nos reunir, fazendo-nos valer, entrando na luta. É necessário mostrar o rosto participando da defesa da justiça em todos os níveis e setores. Só assim, “aborrecidos” com a persistência, os poderosos, escutarão e atuarão conforme a justiça.
Não que seja de menor valia a oração. Ao contrário, ela é fundamental. Será orando que nos aproximaremos do Senhor e nos tornaremos mais íntimos dEle. É a amizade e a intimidade com Deus que deve dar o sentido maior à nossa prece. Nessa linha os pedidos, insistentes ou não, que fizermos estarão integrados também aos agradecimentos, louvores e bendições que precisamos dar àquele que nos cria e nos cuida.
Deus já sabe do que precisamos. Mais do que isto, já temos o que necessitamos de verdade: a vida, a fé, a graça de discernir o que é necessário para que haja justiça. Isso tudo Ele já nos concedeu. Ganhamos muitos dons e seremos nós que deveremos, com eles, patrocinar a transformação do mundo.
Será com a inteligência e os braços que deveremos trabalhar para a justiça e a paz. O que precisamos pedir é que tenhamos coragem, muito ânimo, para tal trabalho. A esse respeito, um teólogo dizia, com muita propriedade que: “quando Deus trabalha somos nós que ficamos suados”.
A primeira leitura nos apresenta cena da luta dos judeus contra os amalecitas. Nela precisamos também tomar cuidado para não acharmos que Deus é a favor das guerras e que gosta de uns e desgosta de outros. Nada disto. Ele vai se revelando progressivamente e era assim, naquela época, que o povo judeu via Deus. Jesus, tempos depois, vem nos mostrar que o Pai é bom e que ama a todos, inclusive os amalecitas.
Que tal interpretarmos essas mãos levantadas de Moisés como a sua doação insistente e perseverante ao povo? Mesmo cansado ele, com o apoio dos demais, mantém-se no serviço.
A segunda leitura nos traz Paulo exortando a Timóteo. Que ele não desanimasse e que a Palavra aprendida desde a infância, fosse proclamada insistentemente. Paulo também sabe que somente insistindo com as pessoas, repetindo tudo o que precisam saber, é que a pregação dará frutos.
Será assim pela persistência daqueles que nos trazem a Palavra, que nos apropriaremos da vida que há dentro dela. A Vida que deve nos conduzir ao serviço da justiça.
E o Evangelho termina de forma instigante: “será que Jesus, ao voltar, encontrará fé sobre a Terra?” Esta pergunta, uma maneira bem interessante de nos questionar, deve ser entendida não só a partir da pequenez da nossa fé, mas também no contexto das perseguições vividas pela comunidade Lucana. Os dois sentidos são válidos para nós.
A sociedade nos “persegue” oferecendo-nos coisas para que deixemos o absoluto e relativizemos a fé. Ao mesmo tempo, precisamos cuidar dela para que cresça e se robusteça. Somente uma fé maior e amadurecida fará de nós essas pessoas insistentes, construtoras da justiça e da paz do Reino.
Pistas para reflexão:
- Sou dos que desistem com facilidade? Ou insisto na luta mantendo a mão levantada?
- Qual é o tamanho da minha fé? Ela é bem alimentada e crescente?
- Como está o meu compromisso com a justiça? Como o tenho demonstrado?
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