Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


DIÁLOGO PARA ALÉM DA VIDA 

Aproxima-se a hora do parto e não será somente uma nova vida que chegará ao mundo Tratam-se de gêmeos. Dois seres que, apesar de bem parecidos um com o outro, são bastante diferentes. Um desde já é possuidor de visão bem otimista da existência. O segundo, ao contrário. Só consegue enxergar as coisas pelo lado ruim.

As contrações vão se tornando mais fortes e a bolsa se rompe. A mãe sente que é chegada a hora. O ventre se encolhe e o útero começa a empurrar para baixo as duas crianças. Nessa hora aconteceu interessante diálogo. Ele se dá mais ou menos assim:

- Caramba, vai chegando o nosso fim. Isto é o que dizem ser o fim do mundo. Sente que o nosso espaço diminui a cada minuto. A gente, que curtia ficar nadando o tempo todo, agora está vivendo no seco e cada minuto mais apertados.

- Nossa, deixa de ser bobo. Isto significa que será agora que a vida realmente começará. Estamos nascendo e isto é ótimo. Sairemos desse espaço tão limitado e teremos o mundo todinho à nossa disposição. Que bom, estamos nascendo. Mundo, aí vamos nós!

- Não vejo as coisas assim. Acho que lá fora é a morte. Você nem repara que estamos sendo comprimidos? Empurrados para baixo? Vamos cair e nos esborracharmos completamente. Estou ficando numa aflição tremenda. Será bom rezar. Tenho a impressão de que esses sons que escutamos, nada mais são do que os ruídos da morte...

- Deixa de ser bobo. Tratam-se das vozes da vida. Veja que entre elas estão as de mamãe, do papai e também as dos médicos e enfermeiros que estão ajudando no parto. Que alegria eu sinto. Estamos nascendo!

A criancinha pessimista, ao se ver no mundo, logo observará ter cometido um engano. Afinal, viver é bom demais. Infinitamente melhor do que permanecer por tempo, além dos nove meses, na barriga da mãe. A otimista apenas confirmou aquilo que já imaginava. Viver é mais do que ótimo.

Agora convido vocês a caminharem comigo por uns noventa anos. Estamos vendo então aquelas nossas antigas crianças, já muito idosas e doentes. Deitadas em dois leitos, um ao lado do outro, eles se preparam para a morte.

Dá-se então entre os dois a segunda parte daquele diálogo, ocorrido ainda no ventre materno e interrompido quando se viram, tadinhas, em meio a tanta luz e, pior ainda, já apanhando do médico:

- Pois é, vamos morrer. Já sinto a escuridão se aproximando. Meus olhos vão se tornando nublados. Vem se avizinhando o buraco negro final. Daqui a pouco nada mais restará de mim. Serei podridão e passado um tempo me transformarei em adubo a alimentar a terra.

- Pois é, vamos viver. Verdade que deixaremos essas cascas. Elas já não mais nos servem. Elas nos limitam ao tempo que aqui vivemos até agora. Olha, já vejo os primeiros raios da luz imensa, que irá me envolver daqui a pouco. Estará chegando para mim a vida plena. A vida total, eis que agora não mais experimentarei dores e nem dificuldades.

- Que maluco você é. Estamos em meio a sofrimentos tremendos, dificuldades terríveis para respirar, os estômagos não se interessam mais por comida e os nossos corpos estão incapazes de reagir aos medicamentos. Você não percebe que chegamos ao final da linha? Que daqui por diante seremos apenas lembranças para alguns parentes e amigos, até que seremos todos apagados, após a morte daqueles que nos conheceram?

- Doido é você. A morte nada mais é do que a passagem para um outro tipo de existência. Ao transpormos essa porta nada mais irá nos gerar algum mal. E melhor ainda. Do lado de lá estaremos no colo amoroso de Deus, que é todo bom. Por lá a vida será total, plena e já pensou o tamanho da alegria ao nos encontrarmos com com tanta gente amada e que também já passou por isto que está se avizinhando, a começar dos nossos pais?

Através dessa conversa, interrompida por noventa anos, observamos duas maneiras antagônicas de encarar vida e morte. Tanta gente que só vê a existência com os sentidos do corpo e a partir das ciências. Somos seres bem explicados e dissecados pela biologia, física e química, somente. A outra a sente com os olhos da fé. E estes conseguem enxergar mais longe, mais profundamente.

Para quem tem fé vida e morte não são realidades distintas e muito menos contraditórias. Elas são complementares e dessa forma captadas como as duas faces de uma mesma moeda. Vista sob este prisma a vida jamais estará terminada. Ela será transfigurada e o viver se dará de outra maneira, muito mais bonita.


 
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 30/06/2014
Alterado em 22/03/2017


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras