- Mas, vovô, a cidade da sua infância era imensa... Tanto insistiu que lhe trouxe para uma visita, mas estou me sentindo fraudado. O senhor me mostrava uma realidade que, definitivamente, não condiz com o que aqui estou vendo. Sua terra não passa de um reles arraial.
- Meu querido rapaz. Constato nesse passeio que conforme crescem os anos, os fatos mais distantes também se desenvolvem, vão se tornando maiores. Eu jamais menti para você. O que lhe relatava, e que lhe fazia brilhar os olhos, nada mais era do que a percepção da realidade, acontecida quando era garoto. Por isto aqui na minha terra, nisso que você chama de arraial, tudo era de um tamanho imenso.
- Agora foi que entendi menos ainda. Acho que não tem lugar no mundo mais sem graça, vovô.
- Veja. Esse circo mambembe com a lona toda furada e que nem toma um quinto da praça, continha multidões incontáveis. Povaréu a gargalhar com as travessuras de um palhaço, que nada ficava a dever aos humoristas da televisão. O trapézio? Ah, este era tão alto que tornava-se mesmo difícil poder se ver, lá no alto, a silhueta do artista.
- Esse barracão que nem jeito de casa tem, é que foi o lugar em que nasceu e foi criado? Pera, lá, vovô. Contava-me de uma casa tão grande.
- Olha, meu neto, esse casarão em que nasci era mesmo grande. Muito maior do que essa casinha que está agora vendo. A varanda, agora um lugarzinho de nada era, em cada canto, castelo, pasto, céus e mares. O quintal, tão diminuto, dilatava-se nas quatro direções, até se tornar quase infinito. Maior até do que as terras do fazendeiro mais rico daqui.
- Lugar que nem povo direito tem. Isso aqui, sabe, meu velho, está me passando a impressão de que tem mais cachorros do que gente.
- Ah, os bichos, esses reles viralatas, eram na imaginação que carrego, tão grandes. Perigosos cães policiais, caçadores corajosos a enfrentar onças e cobras. Não, meu querido, eu jamais iria lhe enganar. Relatava-lhe a verdade maturada e ampliada, dentro dessa cabeça de fios embranquecidos.
E, por favor, leve-me de volta para casa.
- Sim, aqui não tem nada para se ver. Melhor a gente voltar pra capital. Lá tem cinemas, tem shoppings, tem diversão a valer. Aqui só tem cachorro pulguento e uma meia dúzia de casas.
- Só quero, antes do retorno, lhe afirmar algo: Saiba que no andar da sua vida, se por acaso a realidade se mostrar menor do que o sonho, seja corajoso. valorize o sonhar. Que se dane o real. Lamento, meu querido neto, que você não tenha sabido viajar comigo na fantasia.
- Puxa, vovô. Agora você foi fundo. Desculpas se não consegui ver esse tamanho mítico da sua cidade.
- Não tem que se desculpar, assim é a vida. Sabe, aquela minha cidade grande das nossas conversas, você vê agora,nem uma vila é. Lugar mais que pequeno. Arraial pequenino mesmo, tão minúsculo assim por um motivo bem simples. É que se fosse mesmo vasto, grande como o imaginava, jamais que poderia caber aqui no meu coração.
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 23/03/2015
Alterado em 22/03/2017