Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


POR AMOR 

A razão do Amor é não ter razão e muito menos capacidade de ofertar segurança. Amar é se jogar no infinito do mistério do outro de olhos fechados. Angustia perceber que esse alguém a quem se doa tantas vezes não estará qual o fruto da árvore, ainda maduro para acolher tal lançar-se no abismo da existência.
 
Esse, senhor sabe muito bem, foi o meu caso. Saltei no precipício e depois de tantos anos a descoberta. Meu pulo havia sido solitário. Tivesse sido abandonado, relevaria eis que coração é coração. Não se tem nenhum tipo de gerência possível sobre ele. É livre qual andorinha.
 
Vida que teria seguido o curso normal. Mas o que me aconteceu foi bem mais triste, por demais aviltante. Mantido como marido provedor, os carinhos e afetos tornaram-se ocorrências de outras esferas. Pelo amor, mesmo que tenha me feito sofrer tamanha angústia, continuo dando graças. Louvores ao amor!
 
Aqui nessa sala de tão pouca luz eu grito. Amar é viver e mesmo estropiado, vilipendiado e humilhado, estou vivo. Dou graças por poder olhar para trás e perceber que há um longo caminho percorrido no amor. Houve pedras, troncos caíram dificultando o andar e obrigando a se cumprir desvios. Teve lama, tempos de poeira a irritar a garganta. Manhãs de neblina diluindo a luz, escondendo o sol.
 
Ocorreu a traição. Momento terrível igual a mil punhaladas. Mas saiba o senhor que nos tempos idos do meu amor também espocaram as alegrias, as vibrantes aleluias, carnavais de alegorias lindas. A existência se refazendo a cada momento na oferenda dos aprendizados e das cumplicidades, mais uma vez tenho que repetir, de amor. Então, meus olhos ao mirar o ontem se enchem de lágrimas.
 
Sim, eu a perdoo. A todo instante vou repetindo esse perdão. Podia tudo ter se mantido como estava. Era tão bom. Eu a possuía, tão real, em meus braços. Meu amor, minha doçura, meu mel, minha amada. E você, ternura, agora não é mais minha. É sonho recordado a cada momento por meu coração de amante. Mas as lágrimas não são sinais de tristeza.
 
Mesmo sabendo que será impossível tomarmos parte, um no futuro do outro – ele para nós inexiste - é óbvio que a vida reclama, exclama, clama pelo amanhã. O amanhecer será mais belo ainda, no Amor. Repare que enquanto estamos aqui conversando, ele terá nascido e vibrado em vários lugares e peitos por aí afora. Mesmo que muitos terminem e que escondidos debaixo da mataria das beiras da estrada, durmam os destroços de tantos amores. Sempre valerá a pena amar.
 
Pelo amor vale a pena se entregar, correr, voar, nadar à exaustão já disse ao senhor. Mesmo sabendo que na praia a morte estará à espreita. Afinal, o sentido da linha que nos foi presenteada ao nascer se encontra amarrada num nó cego, desde aquele primeiro momento, à finitude. Dizem que o normal das pessoas é terem experimentado um amor adolescente. Algo de grande intensidade e que fez reboar mil trovões internos. Parecia demais ser eterno, mas pouco tempo depois da chama subir às alturas queimando os céus, ela já tinha se esvaído.
 
Fizera-se o escuro. Nem o nome dessa amada juvenil se é capaz de relembrar. Comigo foi bem diferente. Desde que a vi, e éramos crianças, a amei. A única namorada, minha definitiva paixão. Por causa dela a vida teve sentido, ficou colorida, ganhou música. Devia ter feito diferente? Acho que não. Terminou o julgamento e recebi a pena máxima. Trinta anos de cadeia pela eterna amada e outros trinta por ele. E o senhor me pergunta se estou arrependido? Claro que não. Por amor é necessário se fazer tudo. Por amor se vive e se morre. Por amor se mata.
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 01/06/2015
Alterado em 09/03/2017


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