O conflito das ovelhas
As ovelhas amigas moravam com as famílias numa fazenda rodeada de montanhas. Estes bichos, de longe, parecem tranquilos, mas são agitados e não apreciam gente diferente. Outra coisa é que gostam de reclamar demais. Naquele lugar o tema principal das chateações era a excessiva tranquilidade da vida.
Tosquia no final do inverno era o único evento . A comida não tinha variação. Depois de devorar a ração sem graça dos cochos, de domingo a domingo, partiam em desabalada carreira para se alimentar da grama verdinha do pasto.
A falta de novidade gerava a repetição dos assuntos. Não havia criatividade que resistisse àquele marasmo. Então, depois de relatar uns casos pela manhã, de tarde combinavam de se esquecerem daquilo que falaram. Assim, podiam contar a mesma história no dia seguinte.
Isto até que chegou por lá um caminhão imenso. O rebanho, claro, se pôs a observar os acontecimentos. Curiosas, as ovelhas davam passinhos meio despistados, como se mirassem uma touceira de grama adiante, para ver de mais perto.
Lá de dentro saia um tantão de ovelhas quase iguaizinhas a elas. Só havia uma diferença e isso as tornava ridículas, murmurou uma. Horríveis, baliu outra. Falsas e metidas, franziu a testa a terceira. E balindo baixinho, que ovelha é bicho educado, se perguntavam o porquê de aquelas ovelhas terem se pintado de preto.
O acontecido do lado de cá do pasto, ocorria igualzinho na pista de descida do caminhão. As chegantes também se impressionavam com tais estranhezas. Ovelhas pintadas de branco? Não compreendiam essa decisão de se fazerem assim, sem sal, sem graça.
Ao invés de se aproximarem e conversarem, para entender os motivos umas das outras, nascia ali o preconceito. Agora, de ambas as partes, não só torciam o nariz, mas nem mais tinham vergonha de só enxergarem horrorosos defeitos, que nem tenho coragem de escrever aqui nesse relato.
Adolfo e Rodolfo, duas brancas, com desejos de comer uma qualidade de capim existente nos fundos do pasto, resolveram ir até lá. Para não se aproximarem das pretinhas, deram uma volta imensa, se arriscando a cair do barranco à beira do brejo. E foi assim que ocorreu a tragédia. Eram dias de grandes chuvaradas e a terra encharcada cedeu. Adolfo despencou. Rolou até ficar atolado.
Quanto mais se debatia, mais se enfiava na lama. Continuasse assim, logo desapareceria no lodaçal. Em perigo de vida balia, implorando por socorro. Rodolfo, em cima, se desesperava, sem saber como agir. As branquinhas estavam distantes e não o escutavam. Entre elas e os dois postavam-se as desprezíveis ovelhas negras.
Não houve jeito. Para salvar o amigo em apuros, necessitava contar com aqueles horríveis bichos. Correu, trêmulo, lhes solicitou ajuda. As pretinhas nem pestanejaram, raciocinando que, mesmo sendo diferente, ovelha é irmã , precisa ser salva. Chegaram correndo e, aproveitando a terra mole, com os cascos, cavaram uma rampa.
Por ela desceram as mais espertas e em menos de meia hora Adolfo estava no alto. Como agradecer? De que jeito sorrir para aquelas ovelhas, até então intrusas, feias e inconvenientes? Foi Rodolfo quem tomou a iniciativa. Entre beiços murmurou:
– Muito obrigado, gente. Vocês foram ótimas com o branco meu amigo.
- De nada, ovelhas devem se auxiliar. Faz tempo que decidimos, no conselho noturno do estábulo, nos aproximar de vocês. O fato de termos nascido diferentes, não deve servir de argumento para que vivamos separadas. Somos distintas, sim e essa diversidade tem que ser vista como riqueza da nossa raça. Fôssemos iguais a vida seria chata, incapaz de nos surpreender. O pasto ficará ainda mais bonito malhado de branco e preto.
Adolfo, passado o susto, balançava a cabeçorra concordando com aquelas palavras de Rubião, o líder do time das ovelhas negras. Não sei se vocês também sabiam, mas esses bichos não são muito de ficar conversando. O que gostam mesmo é de pastar e brincar depois de ter a barriga satisfeita.
Foi assim que alguém, não se sabe se da equipe dos nossos amigos, ou se do time dos heróis, deu uma empinada e correu balindo. Atrás, (que essa brincadeira ovelha adora) todos baliam e apostavam corrida, de lá para cá e daqui para lá.
Distantes, as ovelhas brancas, que nem tinham se dado conta da falta de Adolfo e Rodolfo, cessaram de pastar e, intrigadas, observavam aquela esquisita cena. Rodolfo, que reconheceram a distância, e uma ovelha cor de terra no agradável jogo da corrida maluca e gritaria. Só que com as inimigas.
Confirmado ser Adolfo o estranho animal marrom, as cabeças duras, suas companheiras, primeiramente torceram o nariz. Em seguida, a começar pelas mais jovens, foram aderindo à algazarra. As líderes, mais velhas, sorriam. Então notaram a comissão de pretas, portando bandeirinha branca, vindo marchando. Assim a paz se fez.
Agora tinham assuntos dos mais variados. As pretas sabiam de coisas que elas nem imaginavam e vice versa. Viram que o tédio fizera com que não se apercebessem da exuberante diversidade existente em torno. Somente tinham olhos para o branco e o preto da lã. Tudo por lá se fazia novo e surpreendente.
As sutis diferenças dos verdes da vegetação fizeram-se encantadoras. Os tantos tons de azul do firmamento tornaram-se, para elas que não eram disso, motivos de discussões. Até a ração, antes vista como insossa, adquirira sabor. Desejavam conhecer os mistérios do céu.
Saber de quais naturezas de nuvens constituia-se a alvura das brancas e de que tipo de noite se construíra o negro das ovelhas pretas. A vida na simplicidade e na aceitação dos diferentes se fazia feliz.
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 13/07/2015
Alterado em 04/11/2016