Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


Virtualmente, amor 

- Olá, tudo bem?
- Sim, comigo tudo legal. E com você?
- Comigo também as coisas vão boas. Claro, não tão bem assim como gostaria. Afinal estou há um ano sem namorar e, por isto veja só, acabei aqui nessa sala de bate papo.
- E se encontrou comigo. Uau! Veja que a sua falta de namorado gerou o nosso encontro. Há males que são para o bem, nesse caso o meu. Meu nome é Eduardo.
- Rindo aqui. Verdade. Acho que é bom para nós dois. Gostei desse seu jeito, viu? E que tudo entre nós só seja bem, que não haja nada de ruim, não é?
- Você se chama mesmo Jéssica?
- Sim, não sou de mentiras. Não gosto mesmo. Sou a Jéssica e lhe confesso que estou me achando estranha demais aqui nesse chat.
- Liga não, bobinha, também me sinto meio estranho, mas é uma forma válida de a gente achar pessoas interessantes. Maneira mais que honesta de se encontrar a alma gêmea.
- Ahh, me fez sorrir. O que acaba de dizer parece a propaganda do site.
- É verdade. Nem havia reparado. Mas me diga. O que veio buscar aqui? Um namorado?
- Será que consigo um? Busco um homem mesmo. De carater, gente boa, honesto, verdadeiro e simples, está tão difícil. Só aparecem na minha vida garotões imaturos e inconsequentes. Ninguém que queira compromisso sério.
- Hummmm. Quem sabe essa sina de achar o cara errado tenha terminado. Certeza que acaba de encontrar o homem certo, um cara excelente para os seus anseios.
- E pelo visto bem modesto (kkkkkkkkkkkkkkkk). Brincadeirinha. Que bom que você seja gente boa. Isto me dá tranquilidade para continuar. Sabe que este é lugar de muita mentira, né?
- E como sei. Conheci alguém incrível aqui. Inteligente, culta, descolada, cabeça boa. Médica com 32 anos, saída de um relacionamento infeliz há um ano. Pois fomos nos encontrar e a tal tinha, no mínimo uns 20 anos a mais. Diante da cara de espanto que fazia, saiu-se com esta. “Mas se dissesse a verdadeira idade, você não iria querer me conhecer”. Desconversei, fingi ter recebido um telefonema urgente e me mandei.
- Pois é. Morro de medo de gente falsa. Vamos fazer um trato. Conosco somente valerá a verdade. Combinado?
- Sim, trato feito. Conosco só é válida uma palavra: VERDADE. Escrita desse jeito.
Mas que coincidência que sejamos quase vizinhos. Apanho o metrô na Consolação todo dia entre 7 e 7:15h. Desço no Centrão, Anhangabaú. Volto em torno das 18h.
- Ahhh, que pena. Temos outros horários. Saio mais tarde e retorno também bem depois. Mas saiba que sou homem de olfato com alta sensibilidade. Diga-me qual perfume usa que o identificarei quando passar pela Consolação. Claro que sua fragrância será sentida por mim.
- Bobão você! Mas gosto de homem assim. Romântico e com senso de humor. Mais um pouco só e me conquista. Preciso tomar cuidados...
- E se eu adiantar em meia hora a saída e você atrasar esse mesmo número de minutos na sua? Acho que estaremos ao mesmo tempo na nossa estação.
- Já chama a Consolação de nossa? Rindo aqui desse seu jeito de dizer. Se topar você ficaria feliz? Mas não hoje. Estou toda normal. Quero estar bonita para você. Amanhã, poderemos?
- Ahhh, amanhã? Como passarão lentas essas horas até lá! Quero você normal mesma, Jéssica. Hoje!
- Calma, amor. Só um dia. Valerá a pena a espera. Respire fundo e mantenha a calma. Passará rápido.
- Combinado. Estarei de terno azul petróleo, sapatos pretos, camisa azul clara e gravata vermelha com desenhos pequeninos parecendo gotinhas também azuis. E você?
- Não se preocupe comigo. Sabe como é mulher. Estou pensando em pelo menos três roupas... Eu te acharei. Tenha certeza disso.
- Confio. Afinal a verdade é nosso lema.
- Olha, Edu, ficará estranho eu ter que chegar assim tão perto de você para reparar nessas gotinhas (rsrsrsrs). Já sei como te identificarei. Estará assim mesmo, terno azul petróleo, camisa azul, sapatos pretos, gravata de gotinhas e o livro Cinquenta Tons de Cinza na mão direita.
- Mas Jéssica. Assim não. Logo esse livro que nem tenho? E é leitura só das mulheres. Nunca vi homem com um desses.
- Sim, por isto mesmo. Como homem não o lê em público, não haverá chances de me enganar. E, ao final, o livro será meu presente de primeiro encontro.
- Menina esperta, você! Está bem. Eu topo. Passarei numa livraria. Nem pedirei para o embrulharem.
- Peça sim, para que não achem que o esteja roubando. Kkkkk. Jogue o papel na primeira lixeira. Xiiii, hora de sair. Acabou-se a hora de almoço. Beijos, Edu. Adorei te conhecer. Posso te contar um último segredo?
- Hummmmm, adoro segredos. Claro.
- É que estou ansiosíssima para chegar amanhã. Estou quase dizendo para nos vermos hoje mesmo.
- Sim, esta noite.
- Nada disso, amanhã. Estou me esforçando para controlar a Jéssica impulsiva que há em mim. Se fechar os olhos ganha beijo de despedida.
- Olhinhos fechados e biquinho...
- Hummmm. Splash!
- Bye.
- Tchau, bem aflita, amor, para te conhecer de verdade...
- Olá, Edu? Desculpas pelo atraso. E adorei que esteja com meu livro. Gotinhas na gravata? Parecem mais balões subindo, que gotas descendo. Olha, querido, acho que na minha ansiedade, veio misturado certo medo de te encontrar. Mas, corajosa, cá estou. A sua Jéssica.
- Jéssica? Que Jéssica nada. Você é homem!
- Sim, Jéferson por fora. Jéssica Na alma, no coração. Você me entende, não é querido?
- Não entendo nada! Estou fora. Você mentiu para mim e tínhamos um trato.
- E não vá me dizer que o inocente do Eduardo acreditou em pacto de internet? E tinha me chamado de bobinha...
- Claro que sim, havíamos combinado.
- Virtualmente, amor. Virtual mente, amor. Não entendeu? Quer que desenhe? No virtual a gente mente.


 
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 19/10/2015
Alterado em 04/11/2016


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