Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


POLÍCIA E BANDIDA

Ser policial era o sonho acalentado por Bento desde criança. Nascera para ser brigadista militar. Crescendo no interior de uma das comunidades mais violentas de Porto Alegre, acostumara-se a ver passar pela rua os soldados, armados até os dentes, na eterna luta com os bandidos que por lá viviam.

Sim, nada de mais, pois se trata do desejo de uma grande parte das crianças pequenas das periferias. A diferença é que, quando vão atingindo a adolescência, por conta de observarem a maneira como a polícia chega às suas casas, aborda seus tios e pais e, por outro lado repararem na maior proximidade e mesmo no apoio dos traficantes, principalmente quando das doenças, acabam virando de lado. A brincadeira de polícia e bandido ´por lá sempre tinha mais garotos interessados em ficar no grupo dos marginais, do que do lado da lei.

Não somente pela sua liderança, mas também pela falta de candidatos ao cargo, Bento nessas horas era o chefe do Pelotão da Brigada, o sargento Bento. Atingida a maioridade, o concurso para ser brigadista foi mera confirmação da vocação. Nessa época já não tinha mãe e vivia com as irmãs, um e dois anos mais jovens. Não passou, o que o fez sentir certo alívio. Não precisaria policiar sua cidade, encontrar-se com as pessoas queridas e que frequentavam a marginalidade.

Soube das inscrições abertas, para aqueles que quisessem se candidatar a serem soldados militares, em Santa Catarina. Bento se inscreveu estudou mais a matéria, praticamente a mesma. Passou. Optou por não comemorar a vitória. Os vizinhos e, principalmente suas manas, seriam incapazes de entender sua alegria.

Sem conseguir, tal qual o irmão visionário, vislumbrar saídas melhores para encaminhar a vida, as meninas, por essa época, já estavam envolvidas com o tráfico. Bonitas, não tiveram a opção de dizer não aos chefes da boca que as queriam por namoradas.

E Bento, dizendo que arrumara emprego fora, se mudou para fazer o curso de policial. Residia no alojamento para alunos de fora. Nada mais natural, eis que era o único da turma nascido no Rio Grande, que ganhasse o apelido de Gaúcho. A partir dali ninguém mais considerava o Bento gravado na farda.

A vida só não seguia normal e bonita porque num final de semana de maior folga, tomou o ônibus para Porto Alegre. Queria visitar as manas, há mais de um ano sem notícias dele. Foi então que lhes contou dos acontecidos. Era agora orgulhoso policial militar no estado vizinho. As duas se postaram agressivas. Disseram-lhe, com todas as letras, que o tinham como traidor, que não mais o consideravam irmão e que as esquecesse. Inclusive porque era um milico pobretão e safado, capacho do governo e elas eram ricas e poderosas, as mulheres dos chefes da boca.

A vida dos militares nas grandes cidades, em contato diário com as misérias humanas, costuma endurecer seus corações, mas com Gaúcho era diferente. Sem ter conhecido o pai e tendo mesmo adotado o pai da irmã mais nova como seu, pois que foi aquele que mais tempo morou com a mãe, as irmãs eram as pessoas que mais amava. Aquelas palavras bateram forte na alma. Doíam demais.

Numa tarde de chuvaradas lhes chegou a denúncia de que vinha, desde o Paraguai, um carregamento de drogas. Coisa grande e Gaúcho estava escalado na operação para interceptar o comboio, lá na entrada Sul de Florianópolis.

Passada a tensão da abordagem, viveu a terrível a surpresa de ver Loura, a irmã caçula, na caminhonete da droga. Teve o momento do encontro dos olhares e ela lhe virou o rosto, cuspindo rudemente no chão. Viu-a bebê, lembrou-se dela pequenina em seus braços lhe abraçando forte e gargalhando.

Acompanhou seu crescimento, a ânsia de viver, de ser alguém reconhecida. Toda a vontade do mundo era a de abraçá-la novamente. De levá-la dali para algum lugar mágico, para que tivesse, tal como ele, nova chance na existência. Desses devaneios foi acordado pelo grito do chefe da operação. – Gaúcho, a prenda!.

Tomou coragem, virou-se para o comandante e disse, trêmulo, mas bem alto. – Não posso, não consigo. É minha irmã. O sangue que corre em suas veias é o meu sangue. Como posso prendê-la? Estou irremediavelmente ligado a ela, ao seu destino. Nossos laços transformaram-se em grossos nós.

Bento, um tanto indeciso, caminhou em direçâo à irmã. Abraçou-a forte, tremiam e choravam alto. Ela não mais oferecia resitência à sua presença e carinho.


 
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 23/11/2015
Alterado em 04/11/2016


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