Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos

Moça linda do baile (ec)

Em poucos dias tínhamo-nos tornado amigos de Cláudio. Cara alegre, bom de papo e, melhor ainda, bom de bola. Sempre disponível para as peladas. Viera com os pais e irmãs, desde a pacata cidade do interior, para a capital. Buscavam melhor educação para os filhos e maiores sortes na vida para todos.

Adorava falar da terra natal. Do quanto era diferente da cidade grande e da falta que sentia de lá. Numa dessas conversas, nos disse da proximidade da grande festa da sua cidade. Que seria no mês que vem e que, quem quisesse, que arrumasse jeito de pagar o ônibus, pois que comida e cama seria por conta da parentada.

Animados, começamos, aquele bando de adolescentes duros e na faixa dos seus dezesseis dezessete anos, a buscar saídas criativas para comprar as passagens e assim viajarmos para a tão anunciada festa na terra do novo amigo.

Teve gente que não conseguiu arrumar o dinheiro, mas havia outros, eu inclusive, que estávamos prontos para a aventura. Fruto do medo de perdermos o ônibus, aliado à expectativa da viagem, chegamos cedo à rodoviária. Ansiosos, não víamos a hora de estarmos em Pirilampos do Monte, para ver e sermos vistos pelas garotas.

Chegamos e fomos muito bem instalados pela família de Cláudio. De tarde combinamos de nos encontrar na praça principal. A primeira impressão não foi das melhores. Alguém, sem conseguir se conter, até perguntou: “mas a cidade é só isto mesmo?”. Claro que havia a zona rural, onde morava a maior parte da população, mas mesmo assim, comparada à nossa realidade vivida, tratava-se de lugar pequenino.

A segunda impressão foi bem melhor. Antes do balie já estávamos no clube. Assim poderíamos ver melhor as garotas, nosso grande objetivo, chegarem. Cláudio dissera-nos maravilhas sobre elas, das suas belezas e dos seus encantos. Suas irmãs, que não viajaram, eram ótimos exemplos do que nos apregoava.

E elas iam chegando com suas famílias, ou em grupos de colegas, e não é que ele estava coberto de razão? Como eram belas! Em poucos minutos encantara-me por uma delas. Cabelos muito pretos, longos, olhos também escuros, rosto delicado. A morena mais bonita da festa.

O baile teve início e, em minutos, todas dançavam. Minha escolhida não era boa de ritmo, logo pude notar. Dura de cintura. Parecia dançar meio robotizada, o que imaginei tratar-se de novo passo aprendido na TV.

Isto era o de menos, fato é que não iria perdê-la, não me perdoaria por isto. Então, antes que outro aventureiro fosse até ela, tomei coragem e parti para a pista. Até aquela hora, praticamente, só feminina.

Notei que também me olhava e isto me animou a tentar a aproximação. Dançando também meio sem jeito, que para bailarino definitivamente não nasci, dava um jeito de chegar mais perto, até que estávamos diante um do outro. Sorriu. Sorri e nos remexíamos ao ritmo da música que a banda, também da capital, executava.

Imitava meus gestos dançantes, o que considerei como segunda vitória, eis que a primeira foi reparar que era observado por ela. Disse um oi e sorriu, falei que não era da cidade. Sorriu de novo. Falei da música, uma das minhas preferidas. Recebi seu sorriso em retorno.

Então pensei, evita falar comigo assim mais distante. Vou torcer para que os artistas invistam em música mais romântica para, dançando abraçadinhos, poder dizer o que sentia e do quanto ela me encantava. Veio a canção lenta e estendi os braços em sua direção. Veio dócil e bailávamos duramente. Insistia em em conversar e ela nada. Do jeito que agora estávamos, não dava mais para reparar se continuava a retribuição de sorrisos.

Insistia em puxar conversa e nada. Foi então que a música parou. Pedi-lhe licença e, óbvio, sorriu para mim. Voltei à mesa de amigos. “E então? O que a Filomena lhe contou?” Cláudio me perguntava e a resposta foi que nada, eis que só me falava com seu sorriso e eu, ainda no entusiasmo, tentando salvar a situação, a lhe dizer tratar-se do sorriso mais lindo que jamais recebera.

Mãos em meus ombros e confidenciou-me então. “Cá entre nós, a Filó não fala. Ela é surda e até, caso lhe olhe o rosto, saberá o que lhe diz, mas não responde. E foi assim, nessa saia justa, que conheci o amor silencioso da minha vida, a mulher com quem estou casado há vinte anos.

 
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 07/12/2015
Alterado em 04/11/2016


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