QUERIDINHO DA MAMÃE
O carro preto estacionado em frente à casa indica sua volta. Ainda na rua a ouve cantando a felicidade de estar com o seu amor. Estremece de raiva, angústia e tristeza. A mãe o escuta entrar e vem correndo lá da cozinha. “Meu filho, meu amado!” E o abraça forte. Tenta se desvencilhar daquele aconchego. O corpo recende a cigarro, ao cheiro dele. Sabia que havia perdido. Restava-lhe apanhar as roupas, suas tralhas e ir embora. Ele retornara e fora aceito por aqueles braços desde já impregnados pelos cheiros dele. Não conseguiria conviver com aquele cara que tanto agredira e machucara sua mãe. Com quem lutara uma noite e também por ele muito havia sido ferido. Homem que denunciara e que por causa dele passara curta temporada na cadeia, sendo liberto porque a mãe foi lá e disse, simplesmente, “que seu filho havia entendido mal a discussão. Que se tratava de um homem bom e jamais levantara a mão para ela. Que aquelas marcas roxas eram meras consequências de ter caído da escada ao trocar a lâmpada da sala”. Saiu da prisão e desapareceu no mundo. Com certeza para os cuidados de uma das suas tantas mulheres. E ele agora estava ali em sua casa. Pertinho demais, tanto que até podia ouvir o barulho do chuveiro. Não havia o que ser dito, o que ser explicado. Tudo era claro como uma manhã ensolarada em maio. Mas a mãe, mesmo ele não tendo o menor desejo de saber de mais nada, insistia em lhe explicar o acontecido. “Meu filho, você é muito jovem e desconhece os caminhos tortuosos do amor.” E sua raiva crescia mais, agora que o tratava como mera criança. “Acontece que não consigo viver sem a proteção de um homem e foi ele que Deus me deu, depois que seu pai partiu”. E o corpo tremeu de ódio por ela citar o pai. Seu ídolo, seu querido herói, o super, morto ele nem havia entrado na adolescência. “Mãe, por favor, vamos acabar logo com isto”. “Ah, meu filho, ele só impôs uma condição para viver comigo. Que você não estivesse morando conosco. Sua mãe não teve como negar isto a ele. Ela o ama tanto e é tão correspondida. Você me compreende, não é? Pelo amor de Deus, não me julgue mal. Sei que está triste, mas mesmo assim posso pedir que me perdoe?” “Mãe, o que quer que eu lhe diga?” E arrancando-se daquele corpo cheirando a fumo e que sabia não mais ser seu, correu para o quarto. Em três sacolas amontoou suas coisas. Ao sair lhe fez um pedido: “Ainda tem mais uns troços meus espalhados por aí. Ajunte tudo numas caixas que pedirei a alguém para vir apanhar.” “Prometa para a mamãe que será você mesmo quem virá buscar. Promete?” Naquele dia se tornou adulto. Lá do portão ela ainda gritou: “Sei que ainda terei muito orgulho de você. Mamãe te ama”.