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O SAPO VEGETARIANO
Era só o que se falava. A lagoa estava em polvorosa. Roberto Saponildo, o melhor e maior caçador de insetos da região, tornara-se um autêntico vegetariano. Acompanhado de duas belas novilhas, moradoras num pasto vizinho, ele havia chegado de viagem trazendo essa tremenda novidade.
Foi pesquisando sua história que Roberto concluiu que sapo e boi possuem parentesco. Não é a toa, ele afirmava nas rodas de conversa, que nos chamam de sapos boi. A partir dessa sua constatação, bastante contestada, diga-se de passagem, passou a ocorrer naturalmente a aproximação dele com os bovinos.
Convidado pelos novos parentes, ele tinha viajado para participar de um concorrido seminário sobre estilos de alimentação mais saudável e natural. Foi por lá então que decidira cuidar melhor da saúde. Mudar de hábitos alimentares. Emagrecer, tornando-se mesmo mais atlético. Tudo isto abolindo a carne do cardápio.
Os palestrantes - uma cabra, um coelho e um bonito manga-larga marchador - tão caros quanto afamados, haviam sido contratados por John Boissarado e Mary Vacatleta, sócios da empresa patrocinadora do evento e amigos de Saponildo. Em suas apresentações eles lhe tinham apresentado argumentos irrefutáveis: o corpo animal é constituído de tal forma que somente deve deglutir, mantendo a saúde, vegetais. Jamais seres do seu próprio reino. Tinha sido um sucesso. Praticamente todos saíram convencidos das vantagens da alimentação sem carne.
“Animal não come animal”, é o que estava escrito, em letras azuis, no chamativo bottom que, orgulhoso, passara a ostentar no peito. Saponildo estava irreconhecível. A questão é que nem a família e muito menos os seus companheiros, acreditavam na profundidade e muito menos na eficácia de tal decisão. O novo vegetariano entrou na lagoa e todo mundo, como se não estivesse olhando, pôs-se a observá-lo. Discretamente até algumas apostas estavam sendo feitas, com palpites dizendo por quanto tempo ele seria capaz de se manter fiel aos novos hábitos.
Não foi sem surpresa que repararam quando ele resistiu, bravamente, ao primeiro mosquito. Um cara de pau que deu uns rasantes em volta do seu roliço corpo. Experimentava, em meio a caretas horrendas que tentava esconder, a folha verdinha de uma planta aquática. Era uma que o coelho japonês garantira ser deliciosa.
Foi nessa hora que apareceu o segundo mosquito. Aguentou suando frio quando ele, insolente, resolveu pousar em seu lombo. Não somos capazes de imaginar o enorme sacrifício realizado por Saponildo para se controlar e não reagir. Não se tinham passado nem cinco minutos quando ele sentiu a picada do terceiro inseto. Aquilo foi demais e fez tudo escorrer por água abaixo. Foi o bicho levantar voo e a língua de Roberto partir pelos ares. Zump e o ousado e impertinente aedes estava no papo.
Meio sem graça, nosso herói jogou fora o broche e rasgou em mil pedacinhos a apostila do programa. O belo caderno que comprara tendo por título: “Receitas Fáceis e Deliciosas com o Verde” foi deixado esquecido na estante. O breve vegetariano não queria nem se lembrar da fortuna que investira no tal seminário internacional. O que importa é que Roberto retornara à sua melhor forma. A velha maneira carnívora de ser.
O que ninguém lá na lagoa tem conhecimento é de como deve ser tratada a febre de Saponildo. Ela chegou intensa, acompanhada de dores pelo corpo e principalmente nas juntas. Surgiu passados só uns poucos dias após a sua trágica aventura longe dos hábitos carnívoros. A mãe do nosso herói tem culpado a água, aquela que ele bebeu no evento, pelo mal estar do seu querido filho. Nenhum sapo duvida disto. Mãe sabe tudo.
Este conto faz parte dos exercícios literários do Encanto das Letras com o tema “o inocente sapo”. Conheça outros trabalhos em: http://encantodasletras.50webs.com/oinocentesapo.htm
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 06/03/2017
Alterado em 17/05/2021
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