Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos

LILICA E O POÇO
Lilica e o poço

A quem pedir ajuda? O pai, sempre tão violento, o mataria ao tomar conhecimento da confusão.  A mãe, mais uma vez internada, não dava notícias de nada e muito menos era ele sabedor dos caminhos e conduções, para se chegar à clínica. Da última vez, ela nem fora capaz de reconhecê-lo. Ouviu quando a doente indagava da enfermeira que garoto era aquele ali do lado? Foi soltar pipa, ao invés de permanecer próximo à irmãzinha sob seus cuidados.

Lembrou-se de Pedro. O menino forte e respeitado na turma que, quando estava por perto, o defendia dos ataques das hordas opressoras do bulliyng. O protetor jogava futebol com os mais velhos e nenhuma atenção lhe concedeu. Sem conseguir pensar em mais nada, de repente viu, parado no ponto do ônibus, o rapaz esquisito. Aquele que vivia a lhes oferecer doces e dinheiro, enquanto ia se tornando pegajoso, numa aflição de os apertar e acariciar. Ao atravessar a rua para falar com ele, foi chegando o coletivo e o cara partiu.

Melhor ir para perto dela, fazer novas tentativas de tirá-la de lá e lhe dar um banho. Secar suas roupas e arrumar as coisas de tal forma, que ficasse impossível do pai perceber o sufoco que passara naquela tarde. No caminho de volta lhe veio a ideia luminosa do lençol. Ele o arrancaria da cama e o lançaria lá embaixo. Simples assim, a criança o agarraria e ele então poderia puxá-la para fora. Estaria salva.

Na rua de trás a mulher, ao passar por ele, reparou que chorava. Perguntou, carinhosa, pelo motivo das lágrimas. Abaixou os olhos e correu mais rápido ainda. Jamais a sua casa estivera tão distante. Chegou, enfim. Correu para o quarto, puxou o lençol azul claro da sua cama. Os pequenos pulmões estavam prestes a estourar.

No quintal o buraco dava a impressão de haver crescido. Parecia ainda maior do que o tamanho da sua angústia. Emborcada e com os braços e pernas abertos, lá no fundo, Lilica jazia abraçada pela água. Parecia procurar alguma coisa na escuridão do fundo do poço.  
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 27/07/2017
Alterado em 27/07/2017


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