O GATO DA MESA DE TRÁS
Como sempre, almoçávamos rápido em um restaurante duas ruas depois do escritório. O assunto do dia eram as implicâncias da chefe. Tudo só podia ser feito do jeito que mandava, mesmo que soubéssemos um modo mais rápido e barato. Margot terminou o papo com um argumento forte:
- Burra com certeza. Deixa o patrão descobrir que, ao invés de trazer dinheiro para a firma, ela está perdendo grana.
Foi nessa hora que notei o cara na mesa diante da nossa. E ele, sozinho, nos olhava bem além do razoável. Tentando ser discreta, falei para a minha amiga que estávamos sendo vistas. Ela, com cuidado, depois de uns dois minutos de observação, jogou-me essa pérola:
- Nós não, cara pálida. Ele não olha para nós, mas para você! Minha linda, saiba que é você quem está sendo admirada.
- Que é isto, sou transparente. Há muito tempo ninguém me enxerga. Ainda mais um moço assim tão bonito.
- Invisível nada. Você está é lacrando aqui na parada: arrasando corações. E tenho uma sugestão, se também está gostando, por que não dá um jeito de sorrir para ele?
- Meu Papai do Céu! Será que o Senhor olhou aqui para a horta abandonada da sua filhinha? Fazia tanto tempo que nem uma gota de chuva caía nela...
- Aproveite a onda, amiga. Homem já está difícil. Ainda mais gato desse jeito.
- Nossa, me deu um frio na barriga. Acho que gato por gato, prefiro o meu Jaime Roberto. Não sai de casa, se contenta com o pote diário de ração e, melhor ainda, quando está de boa, ronrona todo fofo no meu colo.
- Deixa desse negócio bobo de gato por gato. Pense grande. Que tal ter os dois em casa? Avalie isto e vá à luta.
- Está bem. Vou dar um jeito de responder a esses olhares insistentes.
- Espere um segundo linda. Vou fingir que me ajeito buscando algo na bolsa. Assim, arredo a cadeira mais de lado e deixo você toda livre diante dele, além de arrumar uma posição na qual poderei observar bem os acontecimentos.
- Enquanto isto vou ganhando coragem para esse sorriso para ele.
- Amiga, socorro! Pare tudo e fique quieta. Deixa só eu confirmar algo absurdo que tenho a impressão que reparei.
- Que foi, Margot? Não me mate de aflição.
- Nada feito. Não sorria e muito menos olhe para o seu novo gato. A verdade é que ele, simplesmente, não é seu. O olhar dele passa por você e vai cair diretamente no homem assentado à mesa atrás da nossa.
- Pois não havia dito que na minha plantação não chove nunca?
- Vamos logo embora daqui, amiga. Estar desse jeito que estamos, bem em meio a uma paquera, dá azar e aumenta, ainda mais, o tempo da seca.
Este conto faz parte do desafio dos Encantos literários. Leia outros trabalhos com o tema O GATO E O GATO. Visite-nos em: http://encantodasletras.50webs.com/ogatoeogato.htm