De: inaciodeloyola@yahoo.org.es Para: filhosespirituais@gmail.com ASSUNTO: Recados nesses tempos de jubileu
Queridos companheiros e companheiras.
Emociona-me o carinho com que celebram aquela longínqua bala de canhão em Pamplona. Tiro que, muito mais que me estilhaçar a perna, me acordou para outra maravilhosa realidade. Vocês precisavam ver a festa que me prepararam aqui em cima em vinte de março. A multidão dos que vieram celebrar comigo não tinha fim: dia todo abraçado e paparicado. Não só companheiros da Companhia, mas também os que, de uma maneira ou outra, viveram, ou foram ajudados pela nossa espiritualidade.
Vocês sabem como é mãe, não é? Pois a minha, houvesse ciúmes no céu, até iria dizer que escorregou nele. Disse-me que teria optado por algo mais íntimo no qual pudesse curtir a festa mais sozinha com o filho. “Afinal, tive tão pouco tempo com Iñigo lá na terra” pareceu estar me dizendo... E o melhor de tudo foi que como aqui as dimensões de tempo e espaço não contam, todos estiveram pertinho de mim a me falar coisas lindas. Quase morri de emoção - como se tal absurdo fosse possível - com tantas maravilhas (cantos, danças, petiscos, filmes, poemas...) que me propiciaram.
Aqui do alto – confesso que corri o risco de ser chato pelo tanto que louvo e dou graças à Trindade pelo que me aconteceu aí. Mais ainda, a louvo por algo que jamais poderia imaginar: quinhentos anos depois a Companhia de Jesus, segue firme tendo se atualizado, fincando raízes mais profundas no serviço da fé e justiça. E não somente ela, mas me admira ver as Congregações religiosas que se inspiram nos meus Exercícios e ensinamentos, além dos leigos da CVX e de outros grupos inacianos que seguem o modo de proceder registrado naquilo que de melhor eu poderia deixar para vocês: os Exercícios Espirituais.
Nesse tempo que já nem é tempo, porque se faz infinito, contemplo aí embaixo o trabalho bonito que todos e cada um, têm realizado para a maior glória de Deus. E por falar nele, de vez em quando, gosto de chamá-lo para que também observe o que fazem. Ele vem e olha vocês com infinito carinho. Sempre muito observador, reparo o que Ele diz no seu coração: “Esse Inácio... ele sabe que eu já tinha visto, mas faz questão de que eu admire com ele as ações dos seus filhinhos espirituais”. Contei isso num bate papo com Xavier, Fabro, Arrupe, Mary Ward, Anchieta, Caravias, Libânio, Hurtado, Iglesias e tantos outros. Não é que caíram na gargalhada por causa desses meus pedidos de atenção ao Pai? Ri também, pois todos sabemos do quanto Ele está sempre atento a tudo que acontece com vocês. Aliás, não só aí, mas também no mundo e universo inteiro.
Observo em meio a tanta festa, que eu - que vocês dizem ser tão assertivo - estou me perdendo nesse jeito de escrever cartas. Não era bem isso que desejava lhes falar. O que quero é lhes agradecer pelo carinho para comigo nesse ano inaciano. Confesso-lhes que a primeira vez que vi o uso do meu nome nele, fiz cara torta, considerando ser mais um exagero dos meus amados amigos no Senhor.
Vocês sabem que gosto das correspondências e fico pensando no tanto que essas tecnologias de mensagens, praticamente instantâneas, teriam me ajudado na comunicação com os companheiros distantes, caso existissem no meu tempo... Daí que, mesmo sabendo que hoje em dia o tempo é curto e se costuma torcer o nariz para “textões”, como os mais jovens chamam, aproveito a oportunidade e lhes envio três recados. Usem-nos tanto quanto ajudem na busca do bem maior:
1 – No privilégio de poder ver o mundo à distância, reparo o quanto esses tempos pós-modernos se assemelham aos que vivi. Também mudávamos de era. Muito mais do que tempo de mudanças, experimentávamos radical mudança de tempo. Num mundo assim tudo fica mais complexo e o discernimento, este é o primeiro ponto, passa a ser mais que importante. Faz-se fundamental. Nunca economizem nele. Usem-no à larga e o ensinem àqueles que não caminham nas nossas trilhas. Também eles necessitam discernir a vontade divina em suas vidas e obras. E já que falei nas obras, vejo que têm discernido também de maneira comunitária. Isto é maravilhoso. Fazê-lo assim, tornou essa ferramenta mais potente. Sem discernir em meio a tanta turbulência e estímulos, a chance de se afastarem das pegadas de Jesus cresce, o que lhes traz um complicador: os discernimentos necessitam serem “agiornados”, criando em cima da expressão do meu amigo, companheiro de conversações espirituais, João XXIII. Calma, não façam discernimentos na correria, mas também, em tempos de mudanças tão ágeis e profundas, não fiquem parados por muito tempo para perceber a vontade de Deus. A certeza que tenho é que mais oração, maior atenção e espírito comunitário propiciarão mais agilidade. O mundo tem pressa.
2 – Outra semelhança entre os nossos tempos diz respeito aos empobrecidos. Também quando vivi eles eram demais. Fiquem ao lado deles, meus filhos. Só junto dos pobres seguiremos Jesus. Deixá-los à margem, esquecê-los, seria um mal terrível. Segundo aprendi aqui com outro colega, o Vicente de Paulo, “os pobres são nossos mestres e senhores”. Da mesma maneira que é muito fácil, óbvio mesmo, reconhecer um pobre, é bem possível também – e esta tentação é terrível - que ele se torne invisível para nós... O mau espírito com sutis artimanhas tece os acontecimentos de formas a que nos acostumemos com eles. E aí reside o perigo: a passagem entre o ter se acostumado com o miserável e o não mais enxergá-lo é só um passo. Ao visitar a caminhada da Igreja nesses dois mil anos, reparo que em alguns momentos ela cedeu a essa tentação. O pobre se tornou invisível e ela, automaticamente, se aliou aos poderosos da época. Cuidado: vocês vivem tempos em que há muita gente invisível à volta.
3 – Por último, quero lhes pedir para que permaneçam juntos de Francisco. Sem nosso apoio, não importa o quão pequeno ele possa ser, sua missão tão difícil como bispo de Roma, se tornará ainda mais árdua. Precisam apoiá-lo, pois há muita resistência às mudanças tão necessárias para o futuro da Igreja. O convite a que permaneçamos encastelados, bem seguros no interior dos templos, é tentador e por causa disso seduziu grande número dos nossos irmãos na fé. Nesse momento, atualizar o sentir com a Igreja requer coragem e ânimo para seguir rumo ao novo. Façam-se peregrinos, partam, cheios de ânimo e generosidade, em direção às periferias existenciais do mundo. Em cada rua, favela, cidade... estejam atentos para perceber os olhares assustados daqueles que continuam a viver às margens do Século XXI. Sentir com a Igreja, meus filhos, é mais do que sermos, como no passado, construtores de prédios e templos, fazedores de leves tendas. Sempre em movimento, sempre abertas para acolher. Sejam Igreja enlameada na estrada, sejam hospitais de campanha para os feridos pela brutal exclusão.
Meu abraço e bênção,
Inácio de Loyola, SJ
AMDG.